#8M: Projeto Vivas assegura aborto legal e seguro para mulheres de todo país

A interrupção da gravidez é permitida por lei no Brasil em três casos específicos, sem limite de tempo gestacional. No entanto, procedimento ainda é tabu e, muitas vezes, negado, apesar das garantias legais

07.03.24

No Brasil, o aborto é considerado crime, porém, há três exceções que permitem a interrupção da gravidez de maneira legal: quando a gestação é resultado de estupro, em caso de risco de vida para a mãe e quando o feto não possui cérebro. Nesses casos, não há limite de tempo para fazer o aborto. Mesmo assim, o procedimento ainda é negado para muitas mulheres. 

O Projeto Vivas surge nesse contexto e visa assegurar que o direito ao aborto legal seja respeitado. Fundado em 2020, o projeto atende mulheres de todo país, encaminhando-as para hospitais referências, tanto do sistema público quanto privado. Quando necessário, encaminham a mulher para realizar a interrupção da gestação em países vizinhos. 

“Por dia, chegam por volta 20 novas mulheres em busca de aborto legal. Já mandamos 250 mulheres para a Argentina ano passado e atendemos 247 casos aqui no Brasil. Há também muitos casos de mulheres que nos procuram, porém, preferem recorrer à ilegalidade”, aponta a advogada Rebeca Mendes, fundadora do Projeto Vivas.

Violência sexual 

Rebeca alerta que muitos profissionais de saúde dificultam o acesso ao aborto legal e seguro por falta de informação. Vítimas de estupro, por exemplo, não precisam fazer boletim de ocorrência, exame de corpo de delito, nem levar autorização judicial para ter direito ao procedimento. Basta se dirigir a um hospital referência, relatar o ocorrido e solicitar o aborto. 

Importante ressaltar que o estupro pode ocorrer mesmo dentro de relações supostamente consentidas. “Se você está sob influência de álcool, drogas, medicamentos ou dormindo, transou e engravidou, para a lei você é considerada vulnerável e isso configura violência sexual, não interessa se foi consentido ou não. O mesmo vale para sexo com meninas menores de 14 anos. Não interessa se foi consentido e se a relação tinha autorização dos responsáveis para acontecer, para a lei é violência sexual”, pontua a advogada. 

Ela lembra que muitas mulheres são levadas a acreditar que são responsáveis pela violência que sofreram e que essa culpa faz com que prefiram acobertar o caso ao invés de denunciá-lo. “Existe uma dificuldade das mulheres para se enxergarem como vítimas de violência sexual, por diversos fatores. Nós sabemos que é normal beber, mas beber e ser abusada, não”, afirma.

“Meninas de 12, 13 anos chegam grávidas no hospital e não existe uma investigação. Não é dada sequer a informação de que elas têm direito ao aborto legal, elas são diretamente encaminhadas ao pré-natal”, denuncia.

Tempo gestacional

O Decreto-Lei Nº 2.848, de 7.12.1940, que rege o aborto, não faz referência ao tempo gestacional. Rebeca explica, contudo, que o Ministério da Saúde emitiu uma Norma Técnica, em 2005, onde conceitua o abortamento como “a interrupção da gravidez até a 20ª-22ª semana e com produto da concepção pesando menos que 500g”. 

“Começaram a utilizar essa norma técnica como se fosse lei para negar acesso ao aborto em gestações com mais de 20 semanas. O próprio Ministério da Saúde, porém, se pronunciou no ano passado dizendo que não é para fazer isso. Mesmo assim, continuam usando a norma para negar o procedimento”, diz Rebeca. 

Segundo ela, todo hospital federal deveria estar apto para atender esses casos. Na prática, porém, muitas vezes a lei não funciona. 

“Em São Paulo, por exemplo, quando a prefeitura fechou o Cachoeirinha, referência em aborto legal, as mulheres passaram a ser encaminhadas para outro hospital onde toda a equipe estava de férias. Então elas precisavam se dirigir a um terceiro hospital, onde os profissionais de saúde estavam pedindo autorização judicial, boletim de ocorrência, laudo do IML… A mulher que busca esse serviço está fragilizada, precisando de acolhimento, mas acaba encontrando muitas violações de direitos”.

Ainda segundo a advogada, para acessar o aborto legal em caso de estupro, a mulher precisa apenas relatar a situação da violência para o profissional de saúde e que o tempo gestacional esteja de acordo com a data da violência relatada. Até nove semanas, existe a possibilidade do aborto ser feito de maneira medicamentosa em casa. “Nada proíbe de pegar o medicamento no hospital, levar para casa e fazer o procedimento”, afirma. 

Rebeca Mendes, idealizadora do Projeto Vivas. Imagem: reprodução.

Projeto Vivas

O Projeto Vivas surgiu depois que Rebeca Mendes teve uma iniciativa inédita no Brasil. Mãe solo de duas crianças, ela estava fazendo o curso de direito e trabalhava em um emprego temporário quando soube que estava grávida pela terceira vez. Diante das dificuldades que iria enfrentar, decidiu interromper a gravidez. Porém, não queria fazê-lo de maneira clandestina. 

Então, recorreu ao STF, pedindo acesso ao aborto legal com base no argumento de que levar a gestação a termo poderia colocar sua vida em risco. A Suprema Corte negou. Com a exposição do seu caso na mídia, porém, ficou conhecida em toda a América Latina e ativistas pelos direitos das mulheres a levaram para a Colômbia, onde finalmente pôde interromper sua gravidez com um procedimento legal. 

“A legislação colombiana era muito semelhante à do Brasil naquele momento, o diferencial é que havia o entendimento de que o risco para mulher não era só de vida, mas psicológico também. Fiz o procedimento em pouco mais de 20 minutos. Quando terminou, a única coisa que senti foi alívio por ter acabado e um pinguinho de felicidade por ter conseguido satisfazer minha vontade”, recorda-se. 

Aborto legal e seguro

Rebeca conta que sofreu muita perseguição durante a exposição do seu caso na mídia. “Uma pessoa que nunca vi na vida disse que, como minha história era pública, ela se sentiu no direito de vir até minha casa para dizer que a irmã dela fez um aborto inseguro e desenvolveu esquizofrenia, que eu ia me arrepender e que, se mudasse de ideia, ela me dava enxoval. Esse tipo de assédio era constante. As pessoas me ofereciam enxoval, cesta básica, diziam que iam arrumar um canto para eu morar com o pastor da igreja, que eu poderia morar nos fundos da igreja”.

Ela ressalta que as pessoas que recorrem ao aborto não são inconsequentes, estão apenas decidindo sobre suas próprias vidas. “O aborto é um procedimento de saúde. Sem trauma, tristeza ou desespero”. Para ela, a dificuldade em garantir métodos contraceptivos também prejudica as mulheres. 

“Eu era uma mulher comum, que fazia faculdade, criava os filhos sozinha e morava de aluguel. E, no início de 2017, estava tomando a injeção contraceptiva de três em três meses e resolvi trocar pelo DIU, porque não estava me sentindo bem com as injeções. Fui buscar apoio no posto de saúde, achei que seria rápido, mas demorou para chegar o dia da consulta”, conta.

“Fui atendida e soube que para colocar o DIU precisava antes passar pelo planejamento familiar, fazer uma série de exames, ultrassom, etc. Quando finalmente consegui a data para fazer o ultrassom, já estava voltando da Colômbia, onde realizei o aborto. Ou seja, esperei o ano inteiro para ter acesso a um método contraceptivo e, neste meio tempo, acabei engravidando”, alerta. 

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Maira Carvalho
Jornalista e Antropóloga, Maíra é responsável pela reportagem e por escrever as matérias do Lupa do Bem.
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