La Cana: tecendo novas oportunidades para mulheres
La Cana empodera mulheres em prisões mexicanas, oferecendo meios de vida dignos e reintegração social, focando em justiça, equidade de gênero e educação
Por Maira Baudouin
Um assunto do qual não queremos falar
Em um país como o México, a pobreza, a falta de acesso a direitos básicos como educação e saúde, e contextos precários e violentos dilaceram profundamente o tecido social e marginalizam uma parte significativa da população.
Muitas pessoas nas prisões são culpadas, outras não. O que é certo é que a possibilidade de construir uma vida digna e evitar a reincidência depois de cumprir sua condenação é extremamente limitada, para não dizer quase inexistente. As pessoas que foram privadas de sua liberdade – culpadas ou não – passaram por situações realmente difíceis, e mesmo quando têm a firme decisão de mudar suas vidas, o sistema parece projetado para que isso não aconteça, como no romance de Nathaniel Hawthorne, é como se carregassem uma letra escarlate no peito, impossibilitando a construção de uma nova vida e a obtenção de uma nova oportunidade.
“É importante mudar essa consciência social que temos: a prisão não é sinônimo de justiça, e justiça e vingança não são a mesma coisa”, comenta Daniela Ancira, cofundadora e diretora geral da La Cana.
Como nasceu a La Cana?
A La Cana foi fundada por Daniela Ancira e três cofundadoras enquanto cursavam seus estudos universitários. Daniela, então estudante de Direito, teve seu primeiro contato com as prisões por meio de um programa de voluntariado universitário no penal de Barrientos, no Estado do México. O plano original era oferecer assessoria jurídica. No entanto, ao ouvir as mulheres do presídio, ela descobriu uma realidade dura: não enfrentavam apenas a privação de liberdade, mas também a luta diária pela sobrevivência em um ambiente onde tudo, desde a água para o banho até os itens básicos de higiene, tinha um alto custo.
Calcula-se que, para sobreviver na prisão, são necessários cerca de 200 pesos diários. Como conseguir esse valor sem fontes de renda? Ironia das ironias, a forma de conseguir dinheiro era cometer crimes desde a prisão: extorquir, roubar e até se prostituir no presídio masculino por alguns pesos. “Foi a primeira vez que me perguntei… Para que existem as prisões? Para que temos 200.000 pessoas presas? As pessoas não estavam estudando, não estavam trabalhando, não estavam aprendendo nada novo. O que acontecerá no dia em que saírem daqui com uma carta de antecedentes criminais e seja praticamente impossível conseguir um emprego, um lugar para viver, uma vida? Costumamos pensar que quando alguém é preso, a justiça foi feita”, compartilha Ancira, mas isso não é necessariamente verdade, e acrescenta: “Não pensamos no que acontecerá com a família dessa pessoa, de que vão viver, o que acontecerá com seus filhos e a que vão se dedicar quando saírem.”
Nesse sentido, Selene, beneficiária da La Cana, que esteve dois anos e sete meses na prisão, compartilha sua experiência: “Eu havia deixado meu filho lá fora, ele dependia de mim, eu era mãe solteira. Eu fui presa, mas minha mãe e meu filho dependiam de mim. Tudo isso os afetou de várias maneiras, mas também economicamente: eu era quem sustentava a família”.
Todas essas experiências foram o catalisador que levou a atual diretora da La Cana a buscar uma solução que oferecesse uma verdadeira mudança e a possibilidade de uma segunda chance para muitas mulheres. Inspirada por sua avó paterna, que trabalhou em projetos filantrópicos com pessoas privadas de liberdade, Daniela Ancira e suas cofundadoras começaram a desenvolver um projeto que, além de oferecer trabalho dentro das prisões, também preparasse as mulheres para uma vida digna e produtiva uma vez liberadas.
Ser mulher na prisão
As mulheres chegam à prisão por causas muito diferentes das dos homens, não apenas pelo tipo de delito, mas também pelas histórias e circunstâncias por trás desses atos. Muitas vezes, essas mulheres eram parceiras, filhas ou estavam subjugadas a homens dos quais eram vítimas, e se viram arrastadas para a criminalidade devido à sua relação com eles. O sistema de justiça penal também é mais severo com as mulheres, impondo-lhes penas mais longas para os mesmos crimes que aos homens, em parte devido à expectativa social de que devem ser mulheres boas e abnegadas. Quando se desviam desse papel, são punidas mais severamente pela família, pela sociedade e pelo próprio sistema penal.
As prisões não são projetadas com uma perspectiva de gênero: raramente há centros penitenciários exclusivos para mulheres. Em vez disso, geralmente são seções dentro de prisões masculinas, sem instalações adequadas para suas necessidades específicas, como espaços para crianças, mulheres grávidas ou lactantes, e atendimento ginecológico especializado. Oito em cada 10 mulheres na prisão não recebem visitas, refletindo o grande abandono que enfrentam, ainda mais em comparação com os homens, que muitas vezes são visitados regularmente por suas mães, parceiros e outros familiares. Essa falta de apoio e as condições inadequadas fazem com que as mulheres na prisão enfrentem um nível de abandono e isolamento muito maior do que seus colegas masculinos.
“Onde eu estava, havia homens e mulheres. Não misturados, éramos separados por uma parede. Mas eu via nas visitas: a fila para visitar os homens era enorme, a das mulheres, não. Quando eu estive na prisão, eu acho que éramos cerca de 300, e cerca de 50 recebiam visitas”, descreve Selene.
A possibilidade de um novo começo
Esta organização tem como objetivo principal oferecer opções de fontes de renda sustentáveis para mulheres privadas de liberdade, capacitando-as em diferentes ofícios e habilidades que lhes permitam obter um emprego digno ao saírem da prisão, evitar a reincidência e ter a oportunidade de construir um futuro para elas e seus entes queridos. Os workshops e programas da La Cana incentivam valores como disciplina, esforço, compromisso e trabalho em equipe, fundamentais para o desenvolvimento pessoal e profissional das participantes.
Além da capacitação laboral, a La Cana oferece programas de saúde mental, abordando questões como depressão, ansiedade e violência de gênero. Também promove a educação, a arte e a cultura, com atividades como yoga, meditação, clubes de leitura e aulas de computação. Esses programas buscam não apenas melhorar a qualidade de vida dentro das prisões, mas também prepará-las para uma reintegração bem-sucedida na sociedade.
Forjando novos caminhos
Em seus oito anos de existência, a La Cana expandiu seu trabalho para 12 prisões no Estado do México, Cidade do México, Zacatecas e, em breve, em Querétaro. A organização não só atua com mulheres dentro dos presídios, mas também oferece acompanhamento e apoio àquelas que foram libertas, fornecendo atendimento psicológico e ferramentas para continuar sua educação e encontrar emprego.
A organização tem beneficiado anualmente 700 mulheres em suas diversas linhas de ação e alcançado um impressionante índice de não reincidência de 97%, em contraste com a média da Cidade do México, que é de 40%. Esse sucesso se deve em parte ao atendimento integral que as beneficiárias recebem, incluindo apoio psicológico, formação profissional e um forte enfoque na equidade de gênero.
“A La Cana me ajudou a superar tudo o que é viver dentro da prisão, a obter um trabalho digno e bem remunerado, e também a mudar muitas coisas na minha vida. Hoje, tenho um trabalho estável e estou prestes a concluir meus estudos de enfermagem. Além disso, sem a La Cana, eu não teria podido ajudar minha mãe, e talvez meu filho não tivesse terminado seus estudos; agora ele está estudando Direito. Eu não queria que meu filho passasse pelo que eu passei”, compartilha Selene.
“A organização tem uma casa de meio caminho em Xochimilco, onde as mulheres que saem em liberdade podem viver temporariamente, pois as mulheres são tão abandonadas dentro da prisão que, ao saírem, não têm ninguém, não têm para onde ir, e o mais fácil é retornar à vida nas ruas, ao trabalho sexual ou ao crime organizado”, aponta Daniela. Esta casa é um espaço seguro onde elas podem viver e ter atenção psicológica e médica enquanto reorientam suas vidas e conseguem trabalho.
Raízes do desafio e alianças
Ancira ressalta: “O verdadeiro desafio é que o problema é estrutural, não são apenas algumas histórias isoladas; é todo um sistema, desde como se educa a mulher no México, o papel que se espera da mulher, toda essa sociedade extremamente machista e patriarcal, até a injustiça do sistema de justiça penal e penitenciário. Estamos aquém em nossa visão de justiça e esse é o principal desafio: o urgente é atacar as causas desde a raiz”.
A La Cana conta com várias alianças institucionais, como a USAID, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, a Embaixada da Alemanha, a Embaixada do Reino Unido, além de marcas e doadores individuais. Também colaboram com outras organizações que atuam na mesma área, com o objetivo de ter um impacto maior. No entanto, os recursos são sempre insuficientes.
No entanto, ela confessa: “Também há muitas empresas que não querem se associar conosco de nenhuma forma porque isso pode parecer mal. Elas ainda têm essa visão”.
Selene acrescenta: “Eu acho que a sociedade deveria nos incluir um pouco nisso. Sim, queremos que a criminalidade acabe, mas também precisamos entender por que ela existe. Porque as pessoas que estão com problemas de dependência, de reclusão, obviamente não tiveram uma infância adequada e também não tiveram a possibilidade de estudar e muitas outras coisas”.