Uraan Anderson Suruí defende capacitação em blockchain e criptomoedas pela proteção da floresta

Professor indígena é idealizador da Amazon Tech House; projeto ensina indígenas a usar novas tecnologias pela defesa do território em Rondônia

05.09.24

Ele queria rastrear os produtos da floresta por meio de contratos inteligentes e blockchain. A ideia inovadora do professor Uraan Anderson Suruí se desenvolveu e hoje ele ensina indígenas do seu povo Paiter Suruí a utilizarem contratos inteligentes para negócios e finanças descentralizadas. Conversamos com Uraan sobre tecnologia, ancestralidade e juventude. A seguir, separamos os melhores momentos da entrevista. Confira!  

Lupa do Bem: De onde surgiu a ideia de usar blockchain e criptomoedas para proteger a floresta? 

Uraan Anderson Suruí: Bom, eu sou professor indígena, moro na aldeia Gamir, na Terra Indígena 7 de Setembro, Rondônia. Também tenho a função de cacique nesta aldeia e sou vice-cacique geral do povo Paiter Suruí. Lecionei durante sete anos na aldeia e desde o início dessa trajetória enquanto professor, busquei aprender sobre tecnologias. Tenho muita facilidade, por exemplo, com computador… E em 2019, com a questão das criptomoedas sendo divulgada, fiquei curioso para entender melhor como funcionava. 

Eu cheguei a perder R$ 11 mil reais com criptomoedas. Mas nesse processo também aprendi muito sobre Web3 e internet descentralizada. Nessa época, estava trabalhando como coordenador de uma organização indígena de Rondônia. Foi quando nós constituímos a Cooperativa Agro Florestal Suruí (COPSUR), na qual sou presidente hoje. Nós também constituímos o Instituto Wãwã Ixotih, visando estabelecer um diálogo entre o mundo do empreendedorismo e o mundo da nossa sociedade, nossos conhecimentos tradicionais. Daí veio a ideia de rastrear os produtos da floresta por meio da blockchain.

LB: E como esse rastreamento pode contribuir com a preservação da Terra Indígena? 

Esse é um campo muito desconhecido ainda, principalmente entre povos indígenas. Nossas comunidades têm um potencial enorme, mas são muito carentes. E os projetos que prometem gerar um impacto social positivo são sempre por meio de parcerias com instituições e ONGs que não são geridas pelos indígenas. Essas instituições buscam recursos por meio de fundos e editais, mas grande parte desse recurso fica na própria instituição, na administração, e quem é alvo do projeto, o indígena, que é o mais necessitado e deveria ficar com a maior parte do recurso para desenvolver os projetos, fica com aproximadamente menos de 30%. Então, há uma especulação muito grande com a imagem dos indígenas e o impacto não acontece como deveria. Por isso vi uma saída nesse mundo da blockchain e da descentralização das coisas. 

Imagem: reprodução.

LB: Os produtos já estão sendo rastreados? 

Não. Por enquanto estamos montando a Amazon Tech House, que tem o objetivo de formar o jovem desde programação básica até o nível hard da tecnologia. Dos pacotes de produtividade, edições, design até robótica. A meta é construir nossos próprios protocolos descentralizados, para que possamos rastrear nossos produtos e também criar NFTs do artesanato e dos nossos conhecimentos. Mas neste momento estamos buscando voluntários que possam nos ensinar como fazer tudo isso. Estamos nessa fase da construção de parcerias.

LB: Como as NFTs seriam usadas? 

No campo intelectual, da história, da cultura, da ancestralidade do nosso povo. Veja, hoje muitas coisas são escritas por pesquisadores. Eles têm um mecanismo para escrever sobre isso, estão ligados a instituições que recebem recursos, possuem bolsas para produzir artigos. Essas pessoas estão sempre falando da gente e nós nunca falamos de nós, porque não estamos ligados a esses mecanismos, universidades, instituições, bolsas, etc. E as NFTs podem ser um caminho para dar voz aos nossos velhos, à nossa cultura. Ninguém vai falar pela gente, nós é que vamos falar por nós mesmos. 

Ou seja, quando captamos a fala de um velho, dos conhecimentos tradicionais, e colocamos na blockchain, não há quem possa refutar isso, porque é o próprio indígena que está falando. Porque muitas coisas escritas pelos pesquisadores fogem da nossa realidade, é aquilo que o pesquisador pensou da gente. Assim não corremos esse risco de uma manipulação do conhecimento, do pesquisador transformar a gente naquilo que não somos. 

LB: Você comentou que a blockchain também poderia ser usada para poupar… como é isso?

Nós trabalhamos com produtos agroflorestais como café sustentáveis, banana, castanha do Brasil, e é um valor razoável até, mas não dá para guardar nada. Então, queremos mostrar para a juventude que é possível fazer uma organização das finanças, para que eles possam usufruir de mecanismos como o pool de liquidez, para guardar um pouco daquilo que eles estão trabalhando. Porque para os mais pobres, não dá para poupar com o salário que eles recebem. Tem que pagar as contas. Acontece isso no nosso povo também…

E sempre falo isso para os jovens: se você acorda de manhã cedo para trabalhar e volta à tardezinha para sua casa, esse período que você deixou de estar com sua família, com seus parentes, e ainda gastando a saúde para trabalhar, o dinheiro que vem desse trabalho tem que ser valorizado. Então, precisamos criar essa cultura de ‘olha, nós vamos ter que formar nossos filhos, pensar um mecanismo, e aí estou falando de forma coletiva, para proteger nosso território’. 

Imagem: reprodução.

LB: Conta um pouco sobre a juventude da aldeia hoje… 

Hoje temos internet de fibra óptica na aldeia. Em cada casa tem sinal de internet e tem família com dois, três, quatro celulares. As crianças e jovens estão no celular. Quando não estão fazendo nada, na ociosidade, eles estão lá no TikTok, Kawai, Instagram, Facebook. E eles estão sem uma direção. O que a internet oferecer, eles vão ver… O que será dessas crianças, dessa juventude daqui a 10, 15 anos? Elas vão ser engolidas pelo conteúdo da internet, e não pelo conteúdo que eles precisam aprender. Então a ideia é evitar que essa juventude se perca na internet, porque o conteúdo é das grandes Big Techs, elas que têm a informação das pessoas. Então, eu acredito que se construirmos um currículo direcionado de acordo com os objetivos da comunidade, da aldeia, da proteção e gestão territorial, teremos indígenas mais preparados no futuro. 

LB: Esse projeto da Amazon Tech House, que vai ser o espaço onde os jovens terão essa formação, foi você quem propôs?

Isso. Eu conheci uma organização descentralizada, que se chama Play for Change e falei minha ideia, que queria trazer o conhecimento de Web3 e blockchain para a comunidade. Nós fomos atrás de recursos e de parceiros, que nos ajudaram com seis computadores, seis mesas e seis cadeiras. O espaço, por enquanto, funciona na sala da minha casa. Olha só como está ainda! Mas, como acredito muito nesse projeto, cedi uma parte da minha casa. E agora nós vamos correr atrás de alguém que nos ajude a construir um espaço físico para a Tech House. 

LB: As formações já estão acontecendo? 

As aulas inaugurais começaram agora em setembro. Os alunos estão tendo aulas em casa, mas os instrutores ensinam on-line. Nós temos hoje mais de 40 alunos inscritos. É muita gente para 6 máquinas. Temos turmas nos três turnos, manhã, tarde e noite, mas mesmo assim, vamos precisar fazer um filtro para encaixar todo mundo. Esse é um grande desafio, porque muitos jovens estão ociosos. E na Tech House, os jovens poderão fazer inclusive graduação EaD, com acesso a computador e internet gratuito. 

Nesse momento, também estamos buscando parceiros voluntários que possam nos ensinar programação, a fazer os protocolos e informática básica para essa juventude e também de alguns conceitos e ensinamentos sobre criptomoedas e finanças.

LB: Falando em finanças, a Amazon Tech House possui algum patrocínio?

Não temos nenhum centavo ainda! A Play for Change arrumou uma parceria com a Polygon, que comprou os equipamentos. Mas a energia e internet, por enquanto, sou eu quem pago. Agora estamos em busca de instituições que acreditem no nosso projeto, que possam nos apoiar. Inclusive, estive na Blockchain Rio este ano, conversei com bastante gente, estou aguardando o retorno deles. Mas fiz esse projeto motivado muito pela experiência que tive. Quando levei aquele golpe em que perdi dinheiro com criptomoedas, falei: vou ter que aprender sobre isso. E é isso que venho fazendo. 

Imagem: reprodução.

Quer apoiar essa causa?

O projeto Amazon Tech House é coordenado por dois institutos do povo Paiter Suruí, o Instituto Wãwã Ixotih e o Centro de Convenções, Inovação e Intercâmbio Palagah Global. Para fazer doações, entre em contato com Uraan Anderson Suruí pelo Instagram ou doe diretamente em criptomoedas no Dominó do Bem. 

Maira Carvalho
Jornalista e Antropóloga, Maíra é responsável pela reportagem e por escrever as matérias do Lupa do Bem.
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