Exaltando a arte carioca: Feira do Artesão fortalece pequenos empreendedores no Rio de Janeiro

A feira do artesão é uma exposição de artesanato produzido por um grupo de mulheres moradoras do bairro Jardim Primavera no Rio. Conheça o projeto!

02.12.21

Em geral, as feiras são montadas para que o feirante venda suas mercadorias, tenham lucro, comprem mais mercadorias, vendam de novo e assim por diante. Mas a Feira do Artesão é diferente, vai além da comercialização. Ela promove uma exposição cultural a céu aberto e incentiva o crescimento de um coletivo de artesãs fazendo com que elas se vejam como artistas e como produtoras culturais.

A Feira do Artesão foi fundada em 2019 e acontece às quintas-feiras no Jardim Primavera, bairro de Duque de Caxias, Rio de Janeiro. 

Patrícia Alves Sudré, moradora do bairro, é a idealizadora e coordenadora da Feira do Artesão. Artista plástica, ela tem um projeto de arte e pintura chamado “Território Arte Ateliê”, através do qual promove mostras de artes para ajudar outros artistas. Patrícia Sudré nos fala, nessa entrevista, como funciona a Feira do Artesão.

Neuza Nascimento: O que é a Feira do Artesão e qual seu propósito?

Patrícia Sudré: A Feira do Artesão é uma exposição de artesanato produzido por um coletivo de mulher moradoras do bairro Jardim Primavera todas as quintas-feiras, salvo se houver algum contratempo, como a chuva, por exemplo. O propósito é fortalecer o coletivo, ajudar e incentivar as artesãs participantes a se desenvolverem e que tenham um olhar cultural sobre os trabalhos delas, ao invés de vê-los somente como produtos a serem comercializados.  

Neuza Nascimento: A feira do Artesão acontece somente em Jardim Primavera?

Patrícia Sudré: Não necessariamente ela está fixada no Jardim Primavera, apesar de lá ser nossa base. A feira é itinerante, apenas depende  de convites e do espaço que nos for cedido.

Neuza Nascimento: Quantas expositoras participam da feira?

Patrícia Sudré: São 23 moradoras locais cadastradas. Iniciamos com esse número porque foi o número de barracas que nos foi cedido e decidimos manter. Temos o objetivo de promover pessoas a produtores culturais, se tiver muita gente, isso se torna mais difícil. 

Neuza Nascimento: Existe uma equipe? 

Patrícia Sudré: Ainda não. Ainda estamos montando. Estamos nos conhecendo porque, muitas saíram por conta da pandemia e outras entram. Conforme formos nos conhecendo vamos encaixando cada uma de acordo com a competência, inclusive para podermos nos institucionalizar. Por enquanto eu sou a coordenadora.  

Neuza Nascimento: Como a Feira se mantém?

Patrícia Sudré: As barracas são emprestadas pela prefeitura de Duque de Caxias e temos licença para trabalhar no espaço em que estivermos atuando. Fomos contempladas pelo edital da Lei Aldir Blanc, sancionada em 29 de junho de 2020, de caráter emergencial devido aos efeitos econômicos e sociais causados pela pandemia de Covid-19, e ainda temos um um pouco de recursos deste subsídio e com ele pagamos o transporte e montagem das barracas e cada artesã contribui com o valor de R$10,00 a cada feira. E assim temos nos mantido.

Neuza Nascimento: Como é a relação entre o bairro e a feira?

Patrícia Sudré: O empreendedorismo de bairro é algo difícil. Temos que fazer com que as pessoas entendam o que é uma feira de artesanato e que a vejam e consumam como cultura, pois o artesanato é cultura.  Temos que trabalhar isso aos poucos, conversando e convidando as pessoas para que nos prestigiem a cada semana, mas  isso  é construído com o tempo. Temos o apoio do proprietário da padaria próxima à feira que nos deixa usar o banheiro, isso pode ser considerado um envolvimento muito importante, já que temos muitas senhoras como expositoras. 

Neuza nascimento: Quais os maiores desafios em montar e coordenar uma feira como essa?

Patrícia Sudré: Conseguir fazer com que as artesãs entendam que elas podem mais do que produzir e vender. Existem crenças limitantes e dificuldades de desenvolvimento, mas tudo vai acontecendo no tempo de cada uma, não dá pra forçar. A identidade de cada uma deve ser respeitada, as informações tem que ser inseridas aos poucos e elas vão absorvendo de acordo com a tempo de cada uma. Elas precisam enxergar o valor cultural de cada peça produzida, perceberem que podem evoluir nesse caminho e realmente se verem como produtoras culturais, artistas mesmo. Por último, o maior desafio é fazer o artesão entender que ele não pode participar de convocatórias só pelo dinheiro, essa não é a ideia. A ideia é que cada edital vencido, cada projeto aprovado, melhore a vida pessoal e profissional de cada um e que saiam dessas experiências cada vez mais capacitados e independentes. Se o artesão elabora um projeto pensando somente no dinheiro, vai acabar misturando despesas do empreendimento com as pessoais e pode se complicar no momento da prestação de contas.

Neuza Nascimento: Alguma vitória para relatar?

Patrícia Sudré:  Meus filhos. Mas falando da feira, as vitórias foram muitas. Conseguimos nossa logo vetorizada (imagem passível de ser ampliada indefinidamente, sem perder qualidade de definição) através de um edital da LABIC (Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura) da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) para onde enviamos um projeto chamado “A Feira do Artesão na Era Digital”. A LABIC é uma iniciativa que dá suporte à projetos com dificuldades para entender onde podem chegar, o que precisam procurar e o que precisam estudar. Com a orientação deles, pudemos ter a dimensão de como a feira pode crescer através da elaboração e envio de projetos, saímos do nosso território para visitar outros lugares e fizemos um mapa de crescimento, que pretendemos retomar em breve, pois foi paralisado devido a pandemia. Outra vitória foi conquistarmos o segundo lugar no “1° Prêmio Premio Vozes da Mobilidade”, do Jornal Estadão de São Paulo, 2021, na categoria “Inclusão e Oportunidade no Mercado de Trabalho” e nossa participação no edital da Lei Aldir Blanc que foi muito importante pra nós. 

Neuza Nascimento: A feira é formalizada?

Patrícia Sudré: Não, mas estamos caminhando para isso. Ainda não sabemos se será uma cooperativa, associação ou ONG. Estamos conversando sobre isso, decidindo o que é melhor pra todas. É necessário que todas estejamos de acordo para chegarmos à melhor decisão, e também para que o coletivo se envolva e se sinta fazendo parte.

Neuza Nascimento: Como foi e está a frequência da feira durante a Pandemia?

Patrícia Sudré: Tivemos que parar por conta da pandemia temporariamente, pois muitas ainda não puderam retornar por motivos pessoais ou de saúde. Mas não podemos preencher as vagas dessas pessoas por não estarem comparecendo, porque muitas delas dependem da feira como sustento, temos que esperar. Essas mulheres não podem simplesmente ser desligadas do projeto, a não ser que elas manifestem esse desejo ou por uma falta muito grave. Devemos voltar em breve às atividades normais, seguindo as normas de segurança e a maior parte das participantes já foram vacinadas.

Neuza Nascimento: Alguma ação futura?

Patrícia Sudré: Sim, a feira vai apoiar artesãs na inscrição do Edital “Cultura Presente as Redes 2”, ajudando também na organização das oficinas que serão propostas, caso sejam contempladas. Sendo aprovadas no edital, será mais uma fonte de renda nesses tempos difíceis e de pouco retorno financeiro nas vendas. 

Neuza Nascimento: Há alguma necessidade da feira que alguém que esteja lendo essa entrevista possa ajudar?

Patrícia Sudré: Nossa maior necessidade a curto e médio prazo são as despesas com a feira, recursos financeiros para custear o transporte, montagem e manutenção das barracas, com o objetivo de zerar os gastos dos expositores, que passam por um momento muito delicado em suas vidas de forma geral. Precisamos também de doação de alimentos e materiais de higiene e limpeza para compor Cestas Básicas e repassar inclusive para as expositoras que não estão podendo participar, como disse anteriormente, muitas tem como fonte de renda somente o que arrecadam na feira. Por outro lado, as vendas caíram drasticamente e isso tem desmotivado bastante as expositoras a continuarem. Queremos também fazer mudanças nas barracas, que são confeccionadas com ferro e telhado de plástico, o que pesa muito. Se conseguimos fazer essa troca, vai ficar muito mais leve e será menos uma despesa, assim nós mesmo poderemos montar, restando somente a despesa com o transporte e manutenção. 

São pequenas coisas, mas que são soluções que podem melhorar e facilitar a vida de todos os expositores. 

Neuza Nascimento: Algum sonho futuro? 

Patrícia Sudré: Gostaria muito de formalizar a Feira do Artesão, transformá-la em um instituição, para que todas as participantes possam se beneficiar de editais de capacitação, captação de recursos financeiros e outros que a formalização possibilita. Meu desejo é que elas se tornem produtoras culturais, podendo dar aulas e oficinas de artesanato e com isso ter outras fontes de renda não que não através da feira. Com as benesses de um suporte institucional elas terão espaço para mudar a visão sobre suas produções artesanais e poderão enxergar de forma mais clara o valor cultural dessas obras. Com toda essa dinâmica as artesãs poderão se desenvolver e ver o quão longe elas podem chegar com a arte delas. Tudo isso são sonhos e planos para o futuro, temos ainda que montar a equipe certa. Tudo está sendo muito lento, por conta das limitações em decorrência da pandemia.

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Para apoiar a Feira do Artesão, entre em contato: (21) 98747-9650

Visite também o Site, Facebook e Instagram da Feira do Artesão.

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Neuza Nascimento
Após ser empregada doméstica por mais de 40 anos, Neuza fundou e dirigiu a ONG CIACAC durante 15 anos. Hoje é estudante de Jornalismo e trabalha com escrita criativa, pesquisa de campo e transcrições. No Lupa do Bem, é responsável por trazer reflexões e histórias de organizações de diferentes partes do Brasil para a "Coluna da Neuza".
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