Conheça a verdadeira origem das Bonecas Abayomi

Saiba mais sobre a história original contada pela própria criadora, a maranhense Lena Martins

05.05.22

Você já ouviu falar das Bonecas Abayomi?

Existe uma polêmica sobre quando e por quem foram criadas as bonecas Abayomi, cujas características são de serem pretas e confeccionadas sem cola e sem costura. Nesta matéria, Lena Martins, 71 anos, maranhense e mais conhecida como Lena Abayomi, animadora cultural, arte educadora, escritora e também moradora de Santa Teresa no Rio de Janeiro, conta a verdadeira história.

Lena Abayomi chegou ao Rio de Janeiro vinda de São Luiz do Maranhão aos oito anos de idade. Envolvida com artesanato desde dos 16 anos, em 1987, Lena participava de feiras de artesanato em alguns bairros do Rio de Janeiro, através de um projeto social. Nesse mesmo ano, ela foi convidada para trabalhar como animadora cultural em um projeto no Centro Integrado de Educação Pública – CIEP Luiz Carlos Prestes, na Cidade de Deus.

O trabalho dela era fazer o intercâmbio entre a comunidade escolar e a comunidade externa. Era a criação de uma nova profissão. Lena tinha então a missão de levar a cultura da comunidade e do que era vivido no entorno da escola, para dentro do CIEP e vice-versa. Ela organizava encontros, cursos, festivais e eventos que pudessem cruzar entendimentos, fazer trocas e levar informações para que todos pudessem vivenciar um pouco daquela cultura. Lena conta que o CIEP, tinha uma diretoria especial, progressista e ela foi convidada a trabalhar lá por conta do artesanato que produzia.

Nessa época, Lena questionava qual era sua identidade, se ela era preta, branca ou indígena, e nessa busca, acabou indo para o IPCN – Instituto de Pesquisas das Culturas Negras, RJ, onde teve acesso à palestras com Lélia Gonzáles direcionadas à animadores culturais, e acabou se envolvendo com o Movimento de Mulheres Negras.

O primeiro encontro Nacional de Mulheres Negras e as reuniões aconteciam justo no CIEP Luiz Carlos Prestes, onde ela trabalhava. Como funcionaria, ela participava dessas reuniões e teve a oportunidade de conhecer líderes do movimento como Jurema Batista (ex-vereadora), Neuza das Dores (uma das mulheres indicadas ao Prêmio Nobel da Paz em 2005) e Benedita da Silva (ex-senadora, ex-governadora do Rio entre outros cargos, e hoje vice-líder de um partido), e assim foi descobrindo sua identidade.

Ainda como animadora cultural, ela desenvolveu um projeto de confeccionar bonecas de palha de milho, porque, na verdade, ela não sabia exatamente o que ia fazer com os alunos. Quando começou a oferecer as oficinas, as crianças se apaixonaram pela atividade, pois eram bonecas muito fáceis de fazer, não necessitava de cola ou costura. O material usado na época, eram as palhas recolhidas das carroças dos vendedores de milho cozido dos arredores. Com essa atividade ela conseguia alguns minutos da concentração de todos, o que ela considerava uma grande vitória.

Um tempo depois, Lena Abayomi foi convidada para replicar essas oficinas em outras unidades da CIEP e só então veio a descoberta de que, o que ela fazia era uma coisa legal, que envolviam pessoas, que ela conseguia repassar seus saberes e que ela sentia prazer com isso.

Antes de fazer bonecas de palha de milho, ela fazia bonecas tradicionais brasileiras, as chamadas bruxas, costuradas e recheadas com algodão, que eram bonecas que ela via a mãe dela fazer nos momentos de lazer, no Maranhão.

Na Cidade de Deus, Lena foi convidada a fazer uma oficina com todos os funcionários da escola e ela, mais uma vez, não tinha ideia do que fazer, então ela pegou alguns retalhos e começou fazer amontoados, e resolveu fazer uma boneca pra si mesmo, enquanto os funcionários não chegavam. Quando eles chegaram, gostaram do que viram e perguntaram se aquela seria a oficina que ela daria. Ela apresentou a técnica e desde de então ela não parou mais de fazer as bonecas. Tudo isso em 1987.

Um tempo depois, mais três mulheres se juntaram à ela e começaram a fazer as bonecas juntas, mas ainda não existia um nome, era apenas a “Boneca Negra Sem Cola e Sem Costura”. O nome Abayomi veio depois, por um acaso. Ana Gomes, uma mulher do Movimento Negro, estava grávida e o nome do bebê, se fosse homem, seria Abebe Bikila, dedicado ao primeiro negro africano a ganhar uma medalha de ouro em Jogos Olímpicos e considerado por muitos especialistas como o maior maratonista de todos os tempos. E, se fosse menina, receberia o nome de Abayomi. Como nasceu um menino, do qual Lena é madrinha, elas acharam o nome Abayomi perfeito para colocar na boneca. Então virou “Abayomi Boneca Negra Sem Cola e Sem Costura”.

Lena fala da lenda que se criou em torno da boneca Abayomi:

“Mais ou menos quando começou a internet, começaram a falar que essa boneca vinha de uma outra história e a colocaram dentro de um navio negreiro, e muitas pessoas assumiram essa história como sendo verdadeira. Eu nunca fiz esforço pra desmentir isso, pra mim, era uma questão dos professores de História e de várias outras áreas que não são a minha. Eu não tenho formação acadêmica. E essa lenda ganhou espaço, e pessoas de todos os lugares acreditam e a reproduzem.”

Na época que Lena Abayomi começou esse trabalho, segundo ela, os movimentos sociais estavam ganhando enorme força no Rio de Janeiro. Estavam sendo discutidos os 100 anos de Abolição, o que ia ser feito com o lixo, entre outros eventos de importância, foi um ano muito forte. E, na opinião de Lena, uma boneca nascida naquele ano, ganhou uma potência muito grande, e então resolveram afastá-la para um lugar improvável, pois ninguém garante, diz Lena, que tenha existido crianças nos navios negreiros.

“É o de sempre, como aparece nos livros didáticos, quando se fala de preto, colocam correntes e outras coisas degradantes. Ou ele é vítima passiva ou ele é o algoz, no caso, bandido.

Mas, muita gente entra em contato comigo para saber a verdadeira história. Eu não tenho a menor dúvida de que essa falsa versão foi produzida pelo racismo. Não podemos ter uma história legal, que estão sempre querendo nos colocar na pior situação. Esse tipo de história é sempre para quebrar o nosso imaginário, nos diminuir, para que não tenhamos outro tipo de expressão e de força.”

Ela diz também que a forma de fazer a boneca é muito simples e fácil, e isso fez com que a técnica desde de sua criação, ganhasse força em todo Brasil. Lena explica que, basicamente qualquer um com um pouco de imaginação e alguns retalhos, é capaz de fazer uma boneca. Mas, existem formas mais complexas de enrolar os retalhos, criar volumes e dar vida às bonecas, o que é o caso de montar uma trapezista ou uma bailarina, por exemplo. É pano sobre pano, malha sobre malha até conseguir uma forma.

“Minha maior boneca é quase do tamanho de uma pessoa, a “Vovó Tuninha”. Ela me acompanha há 20 anos, mora na minha sala e todos os amigos que chegam para visitar, acabam por adotá-la como avó. E a menor é o de Bebê Abayomi, que são oficinas bem concorridas, já ensinei umas 58 mil pessoas do Brasil e exterior. Eu organizo a oficina de Bebê Abayomi com uma mandala onde o material a ser usado fica exposto. Uso ervas aromáticas, brincadeiras e música. Esse bebezinho representa um filhote, aquele que provoca ternura, que queremos cuidar para que ele viva, cresça e sirva a vida.

Em todos os estados brasileiros tem grupos e pessoas que fazem e montam Abayomis, inclusive fora do Brasil, como é o caso de Córdoba na Espanha e da Bélgica, e eles sempre entram em contato comigo para alguma orientação.”

O Propósito da boneca

“Quando eu fiz essa boneca pela primeira vez, não imaginava que o Brasil inteiro iria conhecer a Abayomi, que outras pessoas iriam reproduzi-las e que ela se tornaria um objeto facilitador para dar aulas em diversas áreas como Matemática e Ciências. Essa boneca possibilita a realização de qualquer trabalho didático.”

Para Lena a boneca Abayomi também é uma forma dela contribuir com a eliminação do racismo na sociedade, e outra finalidade da boneca é buscar espaços de pertencimento por exemplo, quando ela faz um boneco transvertido de astronautas ou um boneco representando o presidente do Brasil, ela passa uma mensagem, principalmente para as crianças negras, de que podemos ser o que nós quisermos, que podemos ocupar esses lugares de pertencimentos.

Ela termina dizendo que, essa boneca preta chegou em um momento em que ela estava descobrindo a sua autoestima e percebendo a dificuldade que os negros tinham pra fortalecer isso. Ela afirma, que sempre fez e faz as bonecas de uma forma que elas fiquem lindas e maravilhosas e que esteja dentro de um contexto positivo, para que o povo preto e descendentes se orgulhem disso e se vejam naquele contexto.

Os desafios

“Meu maior desafio, em relação à boneca Abayomi, artesanato sem cola e sem costura, é que ela passe a ser considerada oficialmente um produto brasileiro. Eu gostaria que fosse registrado como artesanato brasileiro, porque essa técnica não veio de fora, foi criada por mim, aqui no Rio de Janeiro. Outro desafio, é fazer o melhor possível para que outras pessoas conheçam as técnicas de fazer Abayomi de maneira diversificada, não só a boneca com seis nós, que muita gente aprendeu, mas fazer a boneca em toda a sua complexidade.”

Lena considera uma vitória ter inventado um artesanato que encanta, que faz sentido e que as pessoas se sentem representadas por ele. Para ela, como artesã, isso é maravilhoso e vitorioso. Ela diz que não foi intencional, mas sim uma coisa que aconteceu naturalmente.

“Fortalecer a autoestima do povo preto é a base da Abayomi.”

Gostou dessa matéria? Gostaria de adquirir uma Boneca Abayomi sem cola e sem costura?

Entre em contato com Lena Abayomi pelo número +(21) 9 8887-5710 ou visite um dos pontos de vendas:

La Vereda, Rua Almirante Alexandrino, 428, Santa Teresa, RJ

Zambê, Rua Almirante Alexandrino, 402, Santa Teresa, RJ

Encomendas podem ser feitas pelo telefone.

Para saber mais sobre Lena Abayomi, clique nos links abaixo:

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Lena Abayomi é também autora do O Tempo Voa, lançado em 2017.

Neuza Nascimento
Após ser empregada doméstica por mais de 40 anos, Neuza fundou e dirigiu a ONG CIACAC durante 15 anos. Hoje é estudante de Jornalismo e trabalha com escrita criativa, pesquisa de campo e transcrições. No Lupa do Bem, é responsável por trazer reflexões e histórias de organizações de diferentes partes do Brasil para a "Coluna da Neuza".
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