Arte e formação cultural nas periferias do estado de Goiás

O grupo Teatro Cidade Livre que completa dezoito anos em 2022, busca desde sua origem a discussão sobre a importância e a força do teatro como motor de transformação social  

31.05.22

Crédito: Divulgação

Por: Gabriel Murga – Lupa do Bem / Favela em Pauta

O Teatro de Bolso Cidade Livre, fundado há cerca de dezoito anos na cidade de Aparecida de Goiânia, em Goiás, cuja sede fica no bairro Jardim Monte Cristo, promove há mais de uma década, apresentações culturais todas às sextas e sábado, em sua sede com capacidade para 80 pessoas. Além disso, já foram realizadas quatro edições da Mostra de Teatro Cidade Livre, principal evento organizado pelo grupo

A mais recente cujo tema foi “Emergências latino-americanas”, aconteceu entre os dias 04 e 14 de maio de 2022 e recebeu dezenove ações culturais, entre formação, seminários, debates, além de apresentações de espetáculos goianos, nacionais e internacionais. As apresentações foram realizadas no Teatro de Bolso Cidade Livre e a mostra foi financiada pelo Fundo de Arte e Cultura do Estado de Goiás.

Teatro Cidade Livre

Mas essa história começa alguns anos antes, e passa por transformações e mudanças que buscam um ponto em comum, a popularização das atividades culturais e artísticas para a população, especialmente para os jovens da periferia do estado de Goiás.

De espaço cultural a Pontão de Cultura

No ano de 2010, a Associação Sociocultural Cidade Livre foi contemplada e tornou-se Ponto de Cultura, onde foram desenvolvidas oficinas de formação teatral-artística para jovens e adolescentes da região de Aparecida de Goiânia. 

Essas oficinas foram iniciadas por meio do projeto “Circuito Paralelo – Sonho e Arte na Periferia”. O conteúdo das atividades incluía ainda teoria teatral, prática de roteirização de espetáculos teatrais e construção de figurinos, iluminação e sonoplastia. 

Teatro Cidade Livre
3ª Mostra de Teatro Cidade Livre

Nos três primeiros anos do projeto, cerca de cem jovens fizeram sua formação na área teatral sendo montados espetáculos socioeducativos que foram apresentados gratuitamente nas escolas da comunidade, impactando fortemente na formação de plateia, de novos grupos teatrais e no desenvolvimento cultural que se caracteriza tanto pelo lado artístico, quanto pela forte capacidade de geração de vínculo social. 

Ao longo dos anos, o Ponto de Cultura cresceu e se tornou o Pontão de Cultura, cujas atividades contribuem não só com a comunidade local, como articulando redes de colaboração entre os municípios, com outros pontos de culturas e instituições através de formações nas áreas de gerenciamento artístico.  

Surgimento da Cia. Teatro Cidade Livre e a transformação em Associação Sociocultural

O trabalho do grupo foi iniciado através de uma pesquisa ampla sobre diversas linguagens artísticas, desde o teatro clássico, até a prática do teatro mamulengo. O trabalho se deu por aulas expositivas seguidas de discussões em torno de temas vinculados ao teatro, sempre com cunho social e apresentando temas que despertam interesses e reflexões na comunidade por meio das apresentações que vão aos palcos. 

Teatro Cidade Livre

Durante as oficinas os participantes elegeram um tripé fundamental na essência da companhia, são eles, o social, o humor e o aspecto pedagógico, por se apresentar como um caminho mais eficiente tanto na assimilação quanto no registro dos espetáculos apresentados. 

O Lupa do Bem conversou com Jefferson Lobato, membro e um dos fundadores da instituição. Para apoiar o trabalho da associação o contato pode ser feito diretamente pelas redes sociais do grupo aqui

Qual a importância de um teatro feito por pessoas da periferia para pessoas da periferia no contexto do estado de Goiás?

Jefferson Lobato: As vulnerabilidades sociais na região onde o Pontão de Cultura Cidade Livre desenvolve as suas ações são grandes, e o terceiro setor tem um papel preponderante. Apesar dos empecilhos sociais impostos aos cidadãos aparecidenses dessa região, o Pontão de Cultura Cidade Livre surge a dezoito anos com elemento amenizador da ausência de políticas públicas claras para a cultura local. Fomentar arte de vizinho para vizinho é nossa praia, gerar sonhos, autonomias nas pessoas, sobretudo em crianças e jovens, é nossa maior missão. Nessas quase duas décadas formamos inúmeros artistas na dança, no Teatro e recentemente no audiovisual para uma vida cidadã plena. Essa é a nossa missão e desafio diário. Não há dúvidas que a dedicação voluntária de inúmeras pessoas na formação cidadã dos aparecidenses, via arte, tem sido fundamental para o desenvolvimento do Ponto de Cultura Cidade Livre.

Os espetáculos que se apresentaram na última edição da mostra são de distintos locais do Brasil e da América Latina. Qual a importância da arte periférica se reconhecer em outros espaços semelhantes?

Jefferson Lobato: No período de 04 a 14 de maio de 2022 foi realizada a “IV Mostra de Teatro Cidade Livre – Emergências Latino-Americanas” com a presença de artistas e produtores culturais de vários países latino-americanos e de vários estados brasileiros. Não existe cultura sem diversidade, sem troca. Esse foi o grande legado dessa Mostra. Além do cumprimento das ações previstas no projeto, como o incremento de oficinas formativas, mesas de debates e das 19 apresentações teatrais. Ficou o vínculo, a afirmação do nosso fazer artístico, da recondução de algumas linhas do nosso trabalho e sobretudo a possibilidade de nos colocar em contato com coletivos culturais do Brasil e do Mundo. Tudo isso acontecendo na periferia é muito além do que almejamos. Colocar uma criança em contato com quem fala outra língua foi sensacional.

Quais as principais dificuldades de produzir arte e cultura no contexto que estamos enfrentando apesar da saída da pandemia?

Jefferson Lobato: O Pontão de Cultura Cidade Livre, localizado em Aparecida de Goiânia, é uma entidade sem fins lucrativos e sobrevive dos parcos recursos gerados por suas ações e do suor de seus associados. Durante a pandemia da Covid-19 a cultura foi uma das primeiras a parar e uma das últimas a sair desse estado crítico. Essa entidade cultural goiana sofreu muito nesse período, ao ponto de quase abrir falência devido à inoperância. Se antes da pandemia já era difícil manter um espaço em funcionamento com todos seus encargos de manutenção, imagina durante a pandemia. No Brasil não existe uma política pública clara voltada para a cultura brasileira. Nem antes, nem depois da Pandemia! Os espaços como o Pontão de Cultura Cidade Livre, fecham as portas todos os anos. Isso é um atraso que carregamos e que não vemos expectativas de mudança.

Teatro Cidade de Livre
IV Edição da Mostra realizada em maio de 2022

Ao longo de quase duas décadas, quais os principais legados da associação para as pessoas de Aparecida de Goiânia e de outros lugares do estado?

Jefferson Lobato: O principal legado que o Pontão de Cultura Cidade Livre produziu nesses quase 20 anos, foi a formação de pessoas para uma vida cidadã. Pessoas que usufruem de bens culturais são robustecidas de olhares onde a intolerância, a desigualdade e o desrespeito não tem vez. Outros legados têm sido importantes nessas quase duas décadas, como a circulação de bens artísticos, a formação na dança, no teatro e no audiovisual.

    Esperança Sobre Rodas
    Esperança Sobre Rodas
    Precisando de: Doações
    Localização
    Contato
    Apoio
Autor: Redação - Lupa do Bem
Compartilhar:
Notícias relacionadas