“Não é Não!” volta às ruas neste Carnaval para combater assédio contra as mulheres

Tatuagens temporárias convidam população a refletir sobre respeito ao corpo feminino durante as festa

17.02.23

O Carnaval no Brasil é um momento de muita alegria, dança e celebração. Nesse período, porém, aumenta consideravelmente a quantidade de homens que se sentem à vontade para tocar as mulheres sem consentimento. Esse comportamento configura crime de importunação sexual. Para alertar as mulheres sobre seus direitos e inibir atitudes violentas entre os homens, um grupo de mulheres resolveu se juntar e levar para as ruas o grito de ordem Não é Não!

Julia Parucker, umas das coordenadoras do NN, conta que o movimento surgiu de forma espontânea durante o pré-carnaval no Rio de Janeiro, em 2017. “Uma amiga estava no samba e, ao ser abordada por um homem, disse três vezes que não queria qualquer aproximação. Mesmo assim, ele a puxou pelos shorts para perto dele. O que mais ela precisava fazer para ter sua vontade respeitada?! Foi aí que surgiu a ideia de escrever não é não no próprio corpo”, lembra Julia. 

Inspiradas pelos movimentos de apoio às mulheres vítimas de assédio #metoo e #meuprimeiroassedio, as amigas se juntaram e fizeram uma vaquinha para confeccionar tatuagens temporárias e distribuir entre as mulheres em blocos de rua e outros eventos durante todo período de festa. 

Imagem: Reprodução Bitar e Paiva

Sororidade

As tatuagens foram um sucesso. “Nós percebemos que existia uma necessidade muito grande das mulheres de se posicionarem contra esse tipo de assédio. E foi impactante porque mostrou como a violência contra a mulher é normalizada pela sociedade”, conta Julia.

Diante da importância que as tatuagens alcançaram, esse grupo de mulheres se organizou novamente para ocupar os principais carnavais do Brasil no ano seguinte. Em 2018, foram enviados kits para várias cidades, incluindo São Paulo, Salvador, Olinda e Recife. Tudo foi feito através da coletividade, com campanhas na internet e contatos pessoais. Uma ampla rede de solidariedade feminina havia se formado.

Jéssica Alencar usou a tatuagem no carnaval em Olinda e diz ter sido uma experiência marcante. “Quando estava com a tatuagem, outras meninas cumprimentavam, paravam para perguntar onde tinha conseguido, falavam do quanto era importante a ideia do Não é Não! Foram incríveis trocas de apoio, uma das maiores sensações de sororidade que recebi”, lembra Jéssica. Para ela, essas iniciativas são importantes porque dão chance às mulheres de serem vistas com voz ativa. “O nosso direito à fala foi tatuado no corpo!”, diz Jéssica. 

Imagem: Reprodução @anarodriguesbr_

Em 2019, o NN já estava presente em todas as regiões do Brasil, alcançando muitas cidades do interior. “A tatuagem foi poderosa porque carregava um sentido político de deixar marcado na própria pele a necessidade de fazer valer a vontade da mulher”, explica Julia.

Como funciona o NN

Mantendo a dinâmica inicial, esse grupo do Rio de Janeiro montou uma estratégia para que mulheres embaixadoras ficassem responsáveis pela organização dos financiamentos coletivos locais. Mulheres empreendedoras foram inseridas nessa rede para suprir as recompensas dos financiamentos e um canal exclusivo foi criado no site Benfeitoria, de modo a concentrar todas as campanhas em um mesmo local. Somente em 2020, foram feitos 17 financiamentos coletivos, uma quantidade expressiva que indicava a dimensão da campanha em todo país. 

Durante a pandemia, o NN decidiu ficar em casa em respeito às medidas sanitárias implementadas, mas não sem fazer campanhas de conscientização sobre os direitos das mulheres. Nesse período, a violência doméstica disparou. Além disso, muitas pessoas resolveram ignorar as recomendações de isolamento e passaram a frequentar festas e bares. O NN começou a fazer uma campanha para estimular as pessoas a denunciarem vizinhos caso escutassem alguma coisa e passou a confeccionar e distribuir cartazes onde era possível ler as orientações de como agir nesses casos através de QR code.  

Para Julia Parucker, é preciso atuar em várias frentes para combater a violência contra a mulher. “Nós sabemos que só a tatuagem não vai resolver o problema, mas abre caminho para a conscientização, para o debate sobre o respeito ao corpo, principalmente em momentos como o carnaval”, afirma. 

Venda de camisetas financia projeto Escolas em Transformação

“Nós vivemos em uma sociedade patriarcal onde o desejo do homem vale mais que o consentimento da mulher. E para transformar isso precisamos atuar em várias frentes. A primeira é com prevenção, conversar sobre isso, empoderar as mulheres para que elas tenham coragem de dizer não quando elas não querem. Mostrar para os homens que a vontade da mulher deve ser de fato respeitada. Tem também a questão do acolhimento. É preciso saber acolher as vítimas. Por fim, a punição. A legislação atua principalmente nesse sentido”, explica Julia. 

Escolas em transformação e parcerias com empresas

Para ampliar as ações, o NN também esteve em escolas públicas e privadas do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Piauí levando palestras e oficinas sobre os direitos das mulheres para a juventude. Em 2021, o grupo decidiu formalizar a iniciativa. O design da tatuagem passou a estampar camisetas e bonés, que são vendidos nas lojas Endossa, no Rio de Janeiro e Brasília e na Loja Vives, que entrega em todo o território nacional. 

A venda desses produtos financia as atividades do projeto nas escolas, chamado Escolas em Transformação. O NN também faz parcerias com outras empresas, sempre com foco no combate ao assédio. Atualmente, três mulheres estão à frente do NN: Julia Parucker, Aisha Jacob e Barbara Menchise. Para este carnaval, foram distribuídas milhares de tatuagens entre blocos parceiros. Movimentos autônomos também devem acontecer em todo o país. 

A proposta do selo Não é Não em espaços de entretenimento e recreação

A terceira edição do relatório ​​“Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil”, realizado em 2021 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Datafolha, mostra que uma em cada quatro brasileiras acima de 16 anos sofreu algum tipo de violência, o que representa um universo de aproximadamente 17 milhões de mulheres vítimas de violência física, psicológica ou sexual no Brasil. 

Depois do caso Daniel Alves, preso na Espanha em janeiro de 2023 por acusação de estupro, vários projetos de lei foram protocolados no Brasil para proteger vítimas de violência sexual em estabelecimentos nacionais. A deputada federal Dandara Tonantzin (PT/MG) protocolou um projeto de lei (PL nº 4/2023) que cria o selo ‘Não é Não’, um protocolo de segurança para coibir e mitigar os casos de violência sexual contra mulheres. Propostas nesse sentido também foram apresentadas pelas deputadas Maria do Rosário (PT-RS), Maria Arraes (Solidariedade-PE), Sâmia Bomfim (Psol-SP) e Fernanda Melchionna (Psol-RS) – as duas em conjunto – e pelo deputado Duarte Junior (PSB-MA). Todos os projetos de lei são baseados no protocolo No Callem de Barcelona, na Espanha.

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Maira Carvalho
Jornalista e Antropóloga, Maíra é responsável pela reportagem e por escrever as matérias do Lupa do Bem.
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