Teatro Experimental do Negro: de 1944 até os dias atuais
Por meio da formação técnica e política, o Teatro Experimental do Negro possibilitou que pessoas negras de outras profissões também pudessem exercer a vida nos palcos.
Crédito das Fotos: Divulgação /Adeloyá Magnoni
Por: Eduarda Nunes / Lupa do Bem – Favela em Pauta
Mesmo quem nunca ouviu falar sobre o Teatro Experimental do Negro (TEN), colhe bem os frutos dele. Criado na década de 1940 pelo economista, multiartista e articulador social, Abdias do Nascimento, o Teatro Experimental do Negro foi um movimento que reclamou e agiu sobre a falta de pessoas negras na dramaturgia.
Por meio de uma formação técnica e política, o TEN possibilitou que pessoas negras de profissões comuns também pudessem exercer a vida de palcos. É desse projeto que surgem nomes de brilhantes como Ruth de Souza, que entrou no grupo como trabalhadora doméstica e morreu há dois anos como uma das maiores atrizes brasileiras que já existiu.
Ruth de Souza foi a primeira atriz negra a se apresentar no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, considerado um símbolo de exaltação às artes eurocêntricas por quem faz o teatro negro.
De aulas de alfabetização a influências na proposição da Lei Afonso Arinos (1951), a primeira a versar sobre a proibição da discriminação racial no país, o TEN também foi responsável pela chegada do teatro brasileiro a um novo momento, bem como pelo desenvolvimento da dramaturgia negra.
A importância dos “comuns”
Começando no universo da dramaturgia fazendo iluminação teatral no Rio de Janeiro do final dos anos 80, Hilton Cobra, o Cobrinha, estranha não ver pessoas negras atuando nos palcos.
Ele começou a gerenciar uma companhia de teatro negra sem saber que já existiam muitas, e passou a estudar e perseguir Abdias do Nascimento, Grande Otello e suas produções. “O Abdias se caracteriza não somente pela estética teatral, mas sim por todo o seu movimento político. E ele usou, de bom grado e muito bem feito, a estética teatral para passar o seu discurso político antirracista”, conta Cobrinha. No ano de 2001, nascia a Cia dos Comuns.
Entender a cultura e a religiosidade afro-brasileira como uma rica fonte de referência para a elaboração e o exercício de uma dramaturgia negra foi essencial para que a Cia dos Comuns atuasse não só pela própria colocação no mundo, mas a do teatro negro brasileiro em sua totalidade.
A roda do mundo, Candaces — a reconstrução do fogo, Bakulo — os bem lembrados, Silêncio e Traga-me a cabeça de Lima Barreto são os textos eternizados pelos atores e atrizes que até hoje mantém a companhia atuante na cena.
Um dos principais objetivos da Cia dos Comuns é contribuir para a abertura de mercado aos artistas negros e dar continuidade a uma dramaturgia e estética de teatro tendo o Teatro Experimental do Negro como principal referência.
Desse modo, de 2001 a 2008, não só encenou produções, como movimentou o debate público sobre a sustentabilidade da área. O Fórum Nacional de Performance Negra e a mostra artística Ólonadé são alguns dos legados.
Embora a realidade seja de pouco incentivo para as artes, Cobrinha via otimismo na cena. “Veja bem”, conta, “não tem patrocínio para ninguém, não tem subvenção da cultura para praticamente ninguém hoje, mas nós que quase nunca tivemos, sempre tivemos essa escassez. A gente está dando uma volta por cima. É uma pena que a pandemia interrompeu esse processo”.
O teatro negro no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Salvador estavam chegando a um momento diferente, defende o dramaturgo. Mesmo os expectadores com menor poder aquisitivo entendiam a importância de pagar o mínimo que fosse, de modo que os artistas e trabalhadores fossem devidamente remunerados.
“De 40 para cá, tudo o que é feito é Abdias do Nascimento”
O conselho de Cobrinha a quem pretende dar continuidade ao Teatro Negro é cuidar da técnica e não fraquejar na questão política. À essas posturas que o dramaturgo credita a sobrevivência e crescente relevância dos atores e outros profissionais das artes negras na cena teatral.
Com quase 45 anos de atuação, Cobrinha nunca saiu de perto de Abdias do Nascimento. Segundo ele, tudo o que foi feito desde o Teatro Experimental do Negro é uma continuidade do que Abdias desejou.
“O teatro é o estrato da cultura de um povo. E tudo o que a gente quer é o estrato da cultura e da vida da gente negra no palco. Era o que o multiartista acreditava e é o que vem sendo feito até então”, afirma Cobrinha.
Em 2021, completou-se 10 anos desde que Abdias se juntou à ancestralidade para seguir influenciando e sendo referência para quem segue tocando o TEN, além de outras iniciativas de emancipação da população negra brasileira.