Artesanato das Mulheres do Jequitinhonha valoriza a cultura do Vale
O projeto, feito em parceria com a Tingui, gera renda, fortalecimento e autonomia de mulheres rurais e quilombolas do Vale do Jequitinhonha
Com produtos carregados de significados, o artesanato das Mulheres do Jequitinhonha é pura poesia. Quanta delicadeza é possível existir em um único pedaço de pano, afinal? As experiências do dia-a-dia estampam os estandartes ao lado de anjas, pássaros, árvores, flores, sementes e frutas. De lá também saem colchas, mantas e toalhas de mesa. O tingimento vem das cores da natureza, das plantas e da terra. A inspiração, da própria vida rural.
As Mulheres do Jequitinhonha não são apenas artesãs. Elas plantam o algodão, são fiandeiras, tecelãs, bordadeiras, tingideiras e crocheteiras. Algumas são parteiras, rezadeiras e raizeiras. Também cantam versos, muitos versos.
Todo esse conhecimento vem sendo passado de geração em geração, mas, mesmo com tantos saberes, as agricultoras do Vale do Jequitinhonha estavam se sentindo desvalorizadas. Principalmente, estavam perdendo o convívio que mantém vivo o espírito de comunidade. O projeto de artesanato surgiu para apoiá-las.
Ele foi proposto pela Tingui, uma associação fundada em 2015 com o objetivo de promover o fortalecimento e a autonomia de mulheres rurais e quilombolas do Vale do Jequitinhonha por meio da valorização do saber ancestral. “As mulheres estavam se esquecendo de toda sua força e beleza, estavam deixando de brincar. Então, a princípio, nem era um programa de geração de renda. Era mais para elas se encontrarem, conversarem e cantarem fazendo um trabalho manual, algo que fosse próprio da cultura delas”, lembra a diretora executiva da Tingui, Viviane Fortes da Silva.
As Mulheres do Jequitinhonha
Hoje o projeto atua com 180 mulheres, em 9 comunidades rurais e quilombolas dos municípios de Jenipapo de Minas, Francisco Badaró, Chapada do Norte e Diamantina. Os grupos se dividem entre as Bordadeiras do Curtume, as Mulheres da Ponte, Fiandeiras e Tecelãs de Tocoiós, as Crocheteiras do Algodão e as Mulheres do Corim.
Cada grupo tem uma história e identidade. As Bordadeiras do Curtume bordam o cotidiano da comunidade a partir de desenhos criados por Diogo Guimarães, filho de uma das bordadeiras. Já as Mulheres da Ponte trabalham com temas da agricultura, plantas medicinais e passarinhos. Os desenhos são criados pela bordadeira Maria José.
O grupo das fiandeiras se divide em quatro para fazer os novelos e fornecê-los às tecelãs e crocheteiras. As Tecelãs de Tocoiós se concentram na cultura do algodão, do plantio até o produto final. Elas formam um grupo mais antigo, que surgiu bem antes do projeto, e fazem as redes, colchas, toalhas de mesa e mantas, entre outras peças.
“Agora estamos trabalhando com os embornais, trazendo a perspectiva da agricultura familiar. Essas peças são feitas pelo algodão plantado, colhido e fiado por essas mulheres. Então são vários grupos trabalhando em conjunto: um grupo de tecelãs fornece o tecido para as bordadeiras, outro grupo de fiandeiras fornece para as crocheteiras e assim por diante”, explica Viviane.
O artesanato e a cultura local
O artesanato das Mulheres do Jequitinhonha é vendido na lojinha virtual da Tingui ou por meio de parceria com a Marcas Mineiras, na feira da UFMG, na Semana Criativa de Tiradentes, entre outros espaços. Toda a renda é distribuída entre as mulheres do projeto. A Tingui apenas assessora a produção e a comercialização das peças.
O recurso gerado com as vendas, ressalta Viviane, “é importante porque garante a autonomia das mulheres, mas a geração de renda não é a finalidade do projeto, e sim a consequência”. O ritmo de vida dessas populações, portanto, é que define o planejamento da produção. “Todo ano fazemos um plano de ação para saber onde elas querem estar. Porque cada grupo tem uma realidade e nós cuidamos para que elas não caiam no piloto automático. Para que elas fiquem nesse lugar especial, fazendo peças raras e artesanais”, diz.
“As pessoas que vivem na zona rural não têm o olhar compartimentado e individualizado que a cidade traz. É uma vida mais integrada e coletiva. E, muitas vezes, a vida dessas mulheres não cabe dentro dos valores de uma lógica capitalista. Daí começam a achar que o que elas sabem não é importante, mas elas têm muita sabedoria. Então a geração de renda no território vem cheia de história, traz o suporte material para um viver mais amplo, que precisa ser firmado e materializado aqui nessa existência.”
Tingui
A Tingui desenvolve uma série de outras iniciativas com as comunidades do Vale do Jequitinhonha, com intercâmbios entre as mulheres e projetos como o Brota-flor, de cuidado integral com a saúde, e o projeto Sementes Vivas, de agroecologia. Para Viviane, o importante é oferecer caminhos que desenvolvam a potência dessas populações. “Quanto mais elas se reconhecerem de verdade, mais fortes elas ficam.”
Entre as ações de fortalecimento dessas populações está o resgate das cantigas tradicionais. “Os agricultores e agricultoras do Vale sempre trabalharam cantando. O trabalho na roça, das capinas, a colheita do feijão, do milho, a fiação, tudo é cantado. Eles têm a tradição dessas cantigas, de jogar verso, danças. Então, a Tingui tem esse olhar para que nosso trabalho também seja cantado. Para resgatar e fortalecer essas músicas que são próprias de cada comunidade”, finaliza.
“Eu quero um brinco de ouro,
Pra mim, dá meu amor.
Eu quero um brinco de ouro,
Pra mim, dá meu amor.
Eu quero um botão de rosa,
Sou um beija-flor.
O que você me pediu,
Deixa que eu vou te levar.
Te levo um brinco de ouro
E a rosa procê cheirar.”
Cantiga “Brinco de ouro”, da cultura popular do Vale do Jequitinhonha
Quer apoiar essa causa?
Para conhecer o artesanato das Mulheres do Jequitinhonha, visite a lojinha virtual.
A sede da Tingui fica em Jenipapo de Minas, no Vale do Jequitinhonha, e realiza diversos projetos ligados ao cuidado com a terra, a saúde e as pessoas. Para doar, clique aqui.
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