Banho Solidário Sampa oferece momentos de conforto e dignidade à população em situação de rua

ONG realiza até 50 banhos em pessoas, além de banhos em pets, serviços de beleza, acolhimento psicológico e encaminhamentos aos serviços públicos necessários

23.08.23

Desde 2020 em movimento, um trailer com capacidade de armazenar 600 litros de água leva autoestima, bem-estar e respeito às pessoas e seus companheiros animais em situação de rua em São Paulo. Esse é o trabalho desenvolvido pela ONG Banho Solidário Sampa, fundada por nove amigos que se juntaram para fazer ações itinerantes oferecendo banhos quentes, cortes de cabelo e roupas limpas aos sem-teto da cidade. 

O trailer foi projetado em 2019 e ficou pronto em março de 2020, dias antes do primeiro lockdown que foi instituído para conter a contaminação de COVID-19. Os amigos ponderaram os riscos, mas não deixaram de seguir em frente: “O que se recomendava no início da pandemia eram cuidados de higiene e ficar em casa. Mas e quem não tinha casa, já estava na rua? Decidimos sair e não paramos desde então”, conta Paulo César Fernandes, presidente da ONG. 

Hoje, o trailer contabiliza mais de cem ações por toda a cidade de São Paulo. Os banhos ocorrem aos domingos, de duas a três vezes por mês. Tudo é feito de forma voluntária, com equipes de trabalho que chegam a somar até 70 pessoas por ação. O projeto é mantido por meio de doações de pessoas físicas e apoio de empresas como Lorenzetti, Blindex, Dr. Shape e Pets, entre outras. 

Imagem: reprodução.

A população em situação de rua 

Muitas pessoas possuem uma visão distorcida da população de rua. Associações negativas fazem com que essa população sofra com preconceitos de todos os tipos: “as pessoas têm medo, acham que vão ser assaltadas, que vai ter alguma violência. É um olhar muito distorcido”, alerta Paulo. 

Também é comum ouvir que quem está na rua é porque não gosta de trabalhar. “Mas está difícil arrumar um emprego até para quem tem currículo e endereço físico, o que dirá para quem está na rua?”, questiona. Paulo César observa, porém, que existe um pequeno percentual de pessoas que faz essa escolha: 

“É difícil para a maioria de nós entender isso, estamos acostumados com um certo roteiro de vida: trabalhar, ter um lar, criar vínculos. Mas há pessoas com pensamento totalmente oposto, que querem a liberdade de estar na rua e de não se submeter a regras. Essas pessoas moram na rua porque fizeram essa escolha”, explica.  

Segundo reportagem do G1, a cada 10 pessoas em situação de rua, sete são negras. Em 2020, quando o Banho Solidário foi lançado, havia cerca de 38 mil pessoas em situação de rua em São Paulo. Atualmente, esse número já está próximo de 55 mil. A cidade registra o maior número em todo país, que desde 2019 aumentou em 38%. 

O Banho Solidário

A ideia de levar banhos dignos à população em situação de rua surgiu depois que Paulo, sua esposa Cláudia e mais sete amigos perceberam que esse fator não era considerado nas ações de assistência à população em situação de rua. “Todos nós sempre trabalhamos como voluntários e estávamos acostumados a fazer ações relacionadas ao fornecimento de alimentação, além de cobertores no inverno”, diz Paulo César.

Esses trabalhos sociais são bem consolidados nas ruas de São Paulo, explica. Já o banho veio como uma pergunta: como se faz para limpar o corpo? Eles observaram que as pessoas até conseguem se limpar, já que com duas garrafinhas de água é possível lavar o corpo, mas não é um banho digno. 

“Foi essa a diferença que queríamos oferecer”, lembra. Para isso, montaram um aparato onde oferecem o banho em local apropriado, limpo, confortável, com shampoo, sabonete e toalha, além de corte de cabelo e roupas limpas. O Banho Solidário ainda oferece manicure, podólogo, alimentação, escuta psicológica, livraria e brinquedoteca. 

Mais recentemente, também passaram a oferecer o banho pet aos animais que acompanham a população em situação de rua. “É tudo feito com muito carinho: nós olhamos nos olhos das pessoas, perguntamos o nome, conversamos”, explica Paulo.

Imagem: reprodução.

Loja de roupas e poder de escolha  

O fornecimento de roupas e sapatos é feito de maneira especial: tudo que é doado passa por uma triagem que exclui peças com defeitos, desbotadas e furadas. As roupas são então penduradas em araras, os sapatos expostos em prateleiras e os acessórios embalados um a um. O objetivo é oferecer o poder de escolha sobre o que se quer ter e usar após o banho. 

“A gente não podia fazer uma doação pura e simples como acontece hoje. É claro que chegar com um casaco, toucas e meias numa noite fria ajuda. Mas queríamos oferecer o poder da escolha, algo que fosse gratificante”, afirma Paulo César. Não à toa, cada ação do Banho Solidário envolve dezenas de voluntários, oferecendo, além de dignidade e conforto, alimentação para até 500 pessoas. 

As ações são complementares e exigem trabalho, dedicação e comprometimento. ”É muito desafiador mesmo. Por sorte, ou por destino, várias pessoas chegam com muita boa vontade e competência, nos ajudando em todas as esferas do banho”, diz.

Ressocialização 

Para Paulo César, o perfil da população em situação de rua se transformou nos últimos anos. Ele conta que, quando começou o trabalho voluntário, há quase 30 anos, predominava a presença masculina nas ruas. “Hoje há muitas mulheres, crianças e famílias inteiras que foram despejadas, perderam o emprego e estão desamparadas”, diz. 

Um conjunto de fatores leva as pessoas a morarem nas ruas. A pandemia, em especial, trouxe diversos aspectos negativos econômicos, muitas empresas faliram e as pessoas ficaram sem trabalho. Por isso, é preciso oferecer capacitação e renda para que essas pessoas voltem a ter um lar. Em outras palavras, oferecer empregos: 

“A partir daí, existe a possibilidade de sair da rua. Creio que seria mais fácil se essa oferta viesse do poder público, criar vagas específicas para essa população mais vulnerável. E também oferecer tratamentos para quem é dependente de drogas e álcool. A gente percebe que isso também atrapalha demais a vida deles”, aponta.

banho solidário
Imagem: reprodução.

A principal causa que leva alguém a continuar morando na rua, porém, deve-se a algum desajuste familiar: “Às vezes a pessoa tem uma orientação sexual diferente do padrão, não é aceita pela família e acaba ficando na rua. Muita gente que sofre desilusão também, pessoas que perderam um filho ou que passaram por problemas no relacionamento”, conta Paulo.

Nesse sentido, o Banho Solidário possui a Diretoria de Ressocialização, que faz a ponte entre o morador em situação de rua e a família de origem, clínicas de reabilitação e os equipamentos públicos do estado e da prefeitura. Além disso, a ONG fornece óculos, alguns tratamentos dentários e cobre os custos de viagem de volta ao lar, seja uma passagem de ônibus ou de avião.

“Estamos há três anos na rua, atendendo diversas regiões da cidade, do centro à periferia. Nunca tivemos qualquer incidente nas ações. E estamos ficando conhecidos! Quando a gente monta a praça do banho, todos ficam eufóricos… Eles sabem que vão ter um domingo diferente, que vão ser olhados e ouvidos”, finaliza Paulo.

banho solidário
Imagem: reprodução.

Quer apoiar essa causa?

Faça uma doação pelo site ou voluntarie-se nas ações! 

Para maiores informações, acompanhe as redes sociais do Banho Solidário Sampa no Instagram, Facebook e Linkedin.

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Maira Carvalho
Jornalista e Antropóloga, Maíra é responsável pela reportagem e por escrever as matérias do Lupa do Bem.
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