Coletivo Tybyra traz visibilidade para indígenas LGBTQIAPN+

Criado em 2019, coletivo defende pauta da diversidade como aliada na demarcação de terras indígenas.

28.06.23

Danilo Tupinikim é o grande responsável por impulsionar o Coletivo Tybyra. Estudante de Ciência Política na Universidade de Brasília, ele ficou conhecido em todo país após estampar uma entrevista no portal G1 em que analisava o duplo impacto da colonização e do cristianismo sobre a diversidade sexual dos indígenas

A entrevista teve repercussão nacional. “Foi a primeira vez que falei sobre minha sexualidade e comecei a receber vários comentários positivos, mas também muitos negativos e pessoas me atacando nas redes sociais”, lembra Danilo. “Um dia recebi o comentário ‘ah, não basta ser índio, ainda tem que ser gay’. A gente escuta muito isso…” conta.

Se por um lado as redes sociais deixaram Danilo em uma situação vulnerável, foi através delas que outros indígenas se conectaram e fizeram a proposta de montar o coletivo. “Com a entrevista, várias pessoas me procuraram para entender sobre a diversidade sexual entre os indígenas. Elas ainda não tinham ouvido falar sobre isso, principalmente por conta da invisibilidade da pauta dentro do movimento, fruto de uma imposição do imaginário colonial do que é ser indígena”, explica.

Danilo Tupinikim. Foto:@nayjinknss.

Conexão em rede

Após a repercussão da entrevista, Katu Mirim procurou Danilo e, junto com Erisvan Guajajara, Kiga Boe, Priscila Tainá, entre outros, formaram o Coletivo Tybyra, em 2019. O nome do coletivo foi dado em memória de Tybyra Tupinambá, primeiro caso de homofobia documentado no Brasil. Segundo registros históricos, Tybyra foi condenado à morte pela Igreja Católica por praticar sodomia, em 1614.

No Coletivo Tybyra, as ações acontecem principalmente por meio das redes sociais, espaço onde há troca de experiências entre indígenas LGBT+, além de informações, fortalecimento e protagonismo da causa. O objetivo é trazer visibilidade para a pauta dentro do movimento LGBT+ nacional, bem como reafirmar suas existências dentro do contexto indígena.

Como resultado, o coletivo tem conseguido movimentar um amplo debate com a sociedade: as deputadas Célia Xakriabá e Erika Hilton, por exemplo, protocolaram recentemente um projeto de lei para inserir o nome de Tybyra no livro Heróis da Pátria

O coletivo também vem realizando as plenárias LGBT+ no Acampamento Terra Livre, a maior mobilização indígena do Brasil que ocorre anualmente há 19 anos em Brasília. A plenária LGBT+ está inserida na programação oficial do evento e aconteceu pela terceira vez este ano.

indígenas LGBTQIA+
Samantha Terena durante a plenária LGBT+ no Acampamento Terra Livre, em Brasília. Foto: Paulo Desana.

Indígenas LGBTQIAPN+

Danilo Tupinikim é de Caieiras Velha, no norte do Espírito Santo. Ele passou a ser um ativista da causa após a repercussão da entrevista para o G1. Até então, afirma, se sentia invisibilizado dentro do próprio movimento LGBT+, sem qualquer representação por ser indígena. 

O anúncio formal de sua identidade LGBT+, no entanto, gerou espanto na sua comunidade. Se por um lado isso foi motivo de um enorme desconforto, por outro trouxe repercussão para a causa. Principalmente, fez com que Danilo fosse reconhecido como uma referência política local.

“Desde quando me entendo como pessoa, sempre sofri homofobia. E quando chegou a reportagem na aldeia, várias pessoas da comunidade começaram a fazer piadinhas… eu estava em Brasília, minha mãe me ligou, ela estava muito magoada. Mas fui me construindo enquanto uma liderança e passaram a ter mais respeito em relação a mim e ao que eu falo hoje”, lembra. 

indígenas LGBTQIA+
Erisvan Guajajara discursa no Acampamento Terra Livre, em Brasília. Foto: @mre_gaviao.

Decolonizar as aldeias

Segundo Danilo, a LGBTfobia dentro das aldeias é resultado de um processo histórico de dominação: “há estudos que mostram que relações homoafetivas eram consideradas normais em alguns povos. Sem querer generalizar e sabendo que há uma diversidade cultural enorme, foi após a colonização, porém, que muitos destes povos passaram a repudiar tais práticas”, explica.

Por isso, diz, é preciso decolonizar as aldeias e reafirmar as diversas possibilidades de existência dentro das próprias comunidades indígenas. “É muito importante trazer a pauta LGBT+ para dentro do movimento indígena e também discutir outros recortes, como das pessoas indígenas com deficiência, por exemplo, para que não haja exclusões”, defende Danilo.

O reconhecimento da ancestralidade indígena é central nesse debate, avisa Danilo. “Muitos povos têm termos próprios, de acordo com a língua de cada um, para se referirem à diversidade sexual. Indígenas no Canadá, por exemplo, utilizam o termo two spirit (dois espíritos)”, explica.

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Gualoi Kaiowá veste bandeira LGBT+ no Acampamento Terra Livre. Foto: @mre_gaviao.

Primeira Ball no Acampamento Terra Livre

Danilo Tupinikim integra a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Foi ele quem levou a pauta LGBT+ para dentro da APIB e depois para o Acampamento Terra Livre (ATL). As plenárias LGBTs realizadas no ATL, em especial, têm levado legitimidade para a causa. Na última edição, ocorrida recentemente em Brasília, também realizaram a Primeira Ball Indígena.

O evento está ligado à cultura ballroom, movimento político e artístico LGBT que surgiu na periferia de Nova York, nos Estados Unidos, nos anos 1960. Desfiles, performances, música e dança marcam o tom festivo do evento sem perder de vista o caráter político do movimento. Nessas manifestações artísticas, por exemplo, estão implícitas atitudes de contestação e enfrentamento.

Na Primeira Ball Indígena do Acampamento Terra Livre em 2023, subiram ao palco, portanto, as lideranças indígenas LGBTs que estão à frente do debate nacional e que não têm receio de falar sobre o assunto. “Nós ficamos na frente de mais de 200 povos, cada um com uma visão diferente sobre as relações homoafetivas, e isso foi muito significativo, porque  mostramos que nós existimos”, diz Danilo.

Para ele, o maior desafio da causa atualmente é reafirmar a importância da pauta LGBT+ dentro do próprio movimento indígena. “Precisamos falar sobre violência e preconceito, já teve assassinato motivado por LGBTfobia dentro do meu território, por exemplo. Então essa questão é tão importante quanto lutar por demarcação de terra ou por educação indígena de qualidade, pela saúde indígena, contra a mineração, o garimpo e o desmatamento”, defende.

“Nós também estamos na linha de frente da luta do movimento indígena”, finaliza Danilo. 

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Para mais informações, o e-mail é contatotibiras@gmail.com.

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Maira Carvalho
Jornalista e Antropóloga, Maíra é responsável pela reportagem e por escrever as matérias do Lupa do Bem.
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