Casa das Pretas: um espaço de acolhimento, práticas e vivências
Conheça a Casa das Pretas, uma iniciativa da ONG Centro Coisa de Mulher, fundada em 1994, por Neusa das Dores Pereira, 78 anos.
A Casa das Pretas é uma iniciativa da ONG Centro Coisa de Mulher, fundada em 1994, por Neusa das Dores Pereira, 78 anos. Neusa é uma feminista, negra, lésbica, e reconhecida por suas ações em favor de mulheres negras. No momento, ela se encontra adoentada, mas é uma pessoa de muita importância nos movimentos em prol de mulheres negras. Ela é uma referência não só no Rio de Janeiro, mas no Brasil inteiro, principalmente para o movimento LGBT. Apesar de estar acamada, suas ideias e ações continuam vivas. Ela foi, e é uma lutadora. Essa matéria é em homenagem a ela.
A sede está localizada num casarão na Rua dos Inválidos, número 122 no Centro do Rio de Janeiro. Esse espaço foi alugado e restaurado, graças a um financiamento recebido por uma instituição estrangeira que apoia iniciativas femininas.
Abaixo uma entrevista com Edmeire Exaltação, Diretora e Coordenadora Geral da Casa das Pretas:
Neuza Nascimento: Quais os propósitos da Casa das Pretas?
Edmeire Exaltação: Os propósitos são os mesmos do Centro Coisa de Mulher, lutar pelos Direitos Humanos das mulheres negras, da população negra em geral, e estar atenta ao cumprimento e luta pelos direitos da população LGBTQIA+. Sempre com um olhar geral, mas com foco principal para as mulheres lésbicas e mais refinado para lésbicas negras. Pois, sabemos que a cada vez mais se acumulam categorias discriminatórias na sociedade. Nosso principal olhar é para duas categorias, mulheres negras e mulheres lésbicas, e o nosso objetivo é formar consciência política.
Neuza Nascimento: Qual a metodologia usada para alcançar os objetivos da Casa das Pretas?
Edmeire Exaltação: Trabalhamos com formação de consciência política e, na verdade, todos os nossos projetos têm esse direcionamento. A ideia é que as mulheres que passarem pelas atividades oferecidas, saiam daqui com a mente mais aberta e mais informadas. Temos tido sucesso nesse intento, quem passa pelos projetos, nunca saem do mesmo jeito que entraram, porque o nosso método é de formação e informação.
Neuza Nascimento: Como foi a adaptação da Casa durante esses quase dois anos de Pandemia?
Edmeire Exaltação: Em 2020 e 2021, diminuímos as atividades, mas não paramos. Distribuimos cestas básicas recebidas de parceiros e tivemos um curso chamado “Aso Okê” de costura e moda, que 20 mulheres foram beneficiadas. O objetivo do curso não foi só de formar costureiras, tentamos também trabalhar a questão da moda sem gênero e, dentro desse tema colocamos a questão homofobia, lesbofobia e do preconceito à população LGBTQIA+.
Falamos também sobre discriminação, com o intuito de conscientizá–las, pois, as mulheres devem reconheçam quando são vítimas para poderem se defender. Se uma das participantes do curso, futuramente quiser trabalhar como costureira, elas estão capacitadas, mas, o mais importante é que elas, se não sabiam, aprenderam o que é racismo, desigualdade racial e social, entre outros problemas que a sociedade enfrenta.
Neuza Nascimento: Como é a relação da vizinhança com a Casa das Pretas?
Edmeire Exaltação: A sede está localizada no Centro do Rio, num espaço residencial e a característica da população é de classe média baixa e, em sua maioria, conservadores. No primeiro momento, fomos olhadas com certa desconfiança, pois pensaram que aqui era uma casa de macumba, por conta do som dos atabaques durante as aulas de percussão. Inclusive, diminuímos a frequência das aulas por conta desse preconceito local.
Mas, por outro lado, tem um grupo que nos acolhe e apoia. Esse apoio foi mais forte durante o auge da Pandemia, onde distribuímos várias cestas básicas, esse evento mudou um pouco o olhar da comunidade sobre nós. A Casa sempre esteve aberta a todos, e neste período crítico, a comunidade se aproximou e puderam conhecer um pouco mais do nosso trabalho. Por outro lado, ainda existe a reação de curiosidade, tipo, “o que aquelas mulheres pretas estão fazendo naquela casa?” O que é uma forma de diminuir a importância do espaço, mas seguimos.
Desafios
Edmeire acredita que os desafios da Casa das Pretas, são os mesmos de outras instituições de mulheres pretas, a dificuldade é conseguir recursos para manutenção em geral.
Ela explica: “Por sermos uma instituição de mulheres pretas, existem poucos recursos financeiros especificamente direcionados para nós. Por conta do racismo, há um certo descrédito em relação à nossa capacidade de realização, e é um desafio encontrar instituições e financiadores que acreditem que realmente executaremos os projetos propostos por nós. Isso está mudando, já existem editais que fazem a ressalva de que o recurso é só para mulheres negras ou grupos de negros. Isso por terem consciência do racismo sofrido por essa população. São recursos de ações afirmativas para equilibrar esse racismo sofrido”.
Vitórias
Edmeire considera uma vitória terem conseguido subsistir até agora e terem esse espaço, apesar de ser alugado e as despesas serem altas.
“A Casa das Pretas é voltada principalmente para mulheres negras, mas não existe exclusão, se chegar uma mulher branca pedindo ajuda, querendo participar das ações, será bem recebida. Deixamos claro que o espaço é para mulheres negras, por toda a trajetória histórica de discriminação desde a escravidão”, termina Edmeire.
Algumas atividades oferecidas na Casa das Pretas
O projeto oferece cursos profissionalizantes e teóricos, palestras e oficinas sobre feminismo, direitos humanos e literatura negra, sempre visando fortalecer e empoderar mulheres negras. Não só no sentido teórico e prático, mas também no sentido educacional. O lugar também acolhe projetos de instituições parceiras e, com agendamento prévio, é possível realizar eventos como reuniões, pequenas peças de teatro, lançamento de livros e projetos direcionados para o mesmo público atendido pela Casa.
A Casa das Pretas está em processo de institucionalização, para apoiar essa ação ou outras realizadas pela Casa, por favor entre em contato com casadaspretas1@gmail.com.