Conheça a história do assentamento ‘Terra Prometida’
Confira a entrevista com Claudio Amaro, agricultor, jornalista e uma das lideranças à frente do assentamento
O assentamento nasceu em Miguel Pereira, e de lá foi deslocado para Santa Cruz, RJ. Em 2006, se deslocou novamente para Nova Iguaçu, na perspectiva de ocupar três fazendas. Ocuparam duas delas, e um grupo foi deslocado para Duque de Caxias, os dois locais ficam no município do Rio. Hoje o assentamento Terra Prometida está com 58 famílias, sendo que 48 estão em Duque de Caxias e 11 em Nova Iguaçu.
Claudio Amaro é Agricultor, jornalista, e uma das lideranças à frente do assentamento há 22 anos. Ele diz que abriu mão da profissão para estar na terra, produzir alimento saudável, comer comida de qualidade, fornecer comida de qualidade para sociedade, e principalmente, viver em paz.
Entrevista
Neuza Nascimento: Qual o propósito de ocupação de uma terra?
Amaro: A terra tem uma função social e essa função tem que ser cumprida. Ao longo dos anos, a terra foi usada para especulação imobiliária. Muita gente com posse de terras ou fazendas, as deixam abandonadas para ganhar dinheiro no mercado, enquanto muitos estão passando fome, querendo trabalhar e não tem onde plantar.
O que nós fazíamos e ainda fazemos? Entramos nessa terra, que está improdutiva socialmente e colocamos nela, pessoas que querem e precisam trabalhar. O proprietário tem a terra por direito, mas não tem ela de fato, a terra está registrada em cartório, mas não é usada para nada. Está ali só para especular, esperando a valorização de mercado e então ocupamos esse espaço. Isso significa ocupação, e a mídia tradicional denomina como invasão, mas, não é. Estamos ocupando um espaço que está vazio, parado.
Se você andar pelo Rio de Janeiro inteiro, verá muitas terras abandonadas que estão sendo úteis somente para o mercado imobiliário, mas não para as famílias. As ocupações de terras improdutivas, são realizadas por Sem Terra, já as ocupações de construções, pelos Sem Teto, porém a dinâmica é a mesma.
O assentamento vive da agricultura orgânica através das vendas de porta em porta, cestas por encomenda e comercialização em feiras, utilizando serviços de atravessadores. Os produtores são divididos em grupos, e cada um define a melhor forma de comercializar.
Esses grupos foram formados para que o assentamento possa discutir a melhor maneira de escoar a produção agrícola que produzimos, pois, percebemos que estar na roça plantando e sair para vender simultaneamente é muito difícil.
“A terra tem uma função social e essa função tem que ser cumprida”.
Neuza Nascimento: Vocês conseguem se manter financeiramente com a agricultura orgânica?
Amaro: Para permanecer na terra, temos que ter o DAP – Documento Declaração de Aptidão à Agricultura, e para obter esse documento, 70% da renda de cada assentado tem que vir da agricultura, porém, muitos nem sempre conseguem. Na época da seca ou das enchentes, a escassez é grande e muitos acabam por ter que fazer o famoso biscate (trabalho informal) mas, em geral, vivemos da agricultura.
Amaro fala dos desafios do assentamento Terra Prometida
“Vivemos vários desafios e um deles é a questão da comercialização, pelo fato de não termos estradas decentes para o consumidor chegar aqui, e até mesmo para nós chegarmos até eles, a dificuldade é muito grande. Temos pessoas de idade avançada como a Marlene, 66 anos, e o Tiozinho, com 76, que enfrentam obstáculos para comercializar seus produtos, pois na casa deles não chega carro nem carroça, se não ajudarmos, a questão fica complicada para eles e para outros na mesma situação.
O nosso acesso ao transporte público fica a aproximadamente meia hora do assentamento. Temos público comprador, mas o problema é fazer com que os nossos produtos cheguem até eles. Apesar de inúmeras reuniões com o Estado, ainda não conseguimos que atendessem nossa demanda por melhoria das estradas. O ideal também era que tivesse uma linha de ônibus que chegasse até nós, pois estamos praticamente isolados.”
Amaro calcula que, para chegar até o assentamento, partindo do ponto final do ônibus, no Amapá, bairro de Duque de Caxias, gasta-se em média uns 20 minutos de carro, se não estiver chovendo. E de carroça leva em torno de meia hora. Mas ele diz que, o que são as caronas que amenizam o problema, as pessoas assentadas aqui são muito solidárias.
Coisas boas
Apesar dos desafios, Amaro fala do quanto é bom viver no assentamento. “Uma das coisas maravilhosa do assentamento é a convivência”.
“Aqui nós consideramos todos irmãos, a desconfiança não existe e temos o privilégio de comer o que produzimos.”
Em 2020, foram comercializadas 78 toneladas de produtos orgânicos, sendo que 10.400 cestas desta produção foram entregues à instituição Movimenta Caxias a baixo custo, que foram distribuídas para pessoas em situação de vulnerabilidade. Em 2021, até o mês de novembro, foram comercializadas 145 toneladas e foram envolvidas nesse processo, 47 famílias moradoras do assentamento e do entorno.”
Um pouco mais sobre os assentados
Daniel Vieira Júnior, chegou no assentamento há 21 anos. Ele fala de suas experiências no assentamento Terra Prometida.
Ele é o responsável pela organização do escoamento e venda da produção agrícola local e também responsável por organizar uma das frentes de comercialização chamada Rede Ecológica, grupo de consumidores de vários bairros do Rio e Grande Rio. Esse grupo incentiva os agricultores a plantar e produzir produtos coletivamente. Ele faz esse trabalho três vezes por semana, e organiza não só a venda dos produtos do assentamento, mas também de outros produtores no entorno.
“Desde que vim para cá, passei a estudar e a ver as coisas de outra forma, com um olhar mais crítico”.
“O Coletivo Terra, localizado dentro do assentamento, é uma cooperativa formada por produtores que produzem e comercializam articulando com a sociedade. Sem essa articulação nós plantaremos e o produto desse plantio estragaria, a parceria entre campo e cidade tem que existir sempre, porque também, se o campo não planta a cidade não janta.”
O Assentamento Terra Prometida, tem uma produção muito diversa, são cultivados feijão, aipim, frutas, hortaliças, ervas medicinais e outros.
O maior problema que os assentados enfrentam são as enchentes, o que os obrigam a trabalhar com uma janela de produção e com isso, só podem produzir de março a outubro, porque novembro, dezembro e janeiro a maioria das áreas sempre alaga.
Daniel ainda diz que o assentamento representa muito para ele, sendo a continuidade da luta pela terra, que sempre existiu e é a produção de alimentos saudáveis, sem veneno.
Erlei Rodrigo, o Tiozinho, 76 anos, assentado no Terra Prometida, diz como se sente onde mora.
“Aqui a gente se sente bem, vai ali, corta um cacho de bananas, colhe limão, laranjas, tem coco que eu mesmo plantei e agora estou colhendo”
“O sacrifício é grande, mas vamos tocando. Seria bom se ajeitassem a estrada, a nossa maior dificuldade. Mas estou feliz por morar aqui, todos estão juntos, com o mesmo objetivo de plantar. Cheguei aqui em 2002, vim de Santo Antônio de Pádua, município do Rio.”
Mas ainda não acabou, o assentamento Terra Prometida também tem um espaço onde são feitos produtos fitoterápicos!
Daniel fala do “Cantinho Fitoterápico”
“Hoje em dia os medicamentos industrializados estão muito caros e, para nossa comunidade, é importante pensar na opção dos fitoterápicos para o fortalecimento da saúde e prevenção”.
“Valorizamos muito os remédios caseiros que produzimos usando as plantas medicinais que cultivamos. Produzimos e vendemos sabonetes, shampoo, cremes facial e para os pés a “Pomada Milagrosa”, cicatrizantes e outros. Temos também prática de acupuntura, massagem e shiatsu. São culturas que valorizamos e as usamos aqui.”
Fica aqui um convite para todos que queiram visitar o Assentamento Terra Prometida. É um ótimo programa e para isso, é só entrar em contato através das redes sociais.
Como adquirir os produtos do assentamento?
Abaixo os canais de compras no Rio de Janeiro:
Feira da Agricultura Familiar, na Praça Roberto da Silveira, Centro de Duque de Caxias, às terças;
Feira da Roça, Nova Iguaçu, Praça Rui Barbosa, às quartas e sextas;
Feira Regional da Reforma Agrária Padre Geraldo de Lima, online.
Online você pode fazer seus pedidos de segunda à quarta e receber nas sextas.