Conheça o Raízes em Movimento: Instituto que atua há mais de 20 anos no Complexo do Alemão
Com a perspectiva de desenvolvimento humano, social e cultural em dois eixos (um voltado para produção de conhecimento e outro para comunicação e cultura), o Instituto Raízes em Movimento atua desde 2001. Vale a pena conferir!
No dia 04 de dezembro de 2021, o Instituto Raízes em Movimento, localizado no Morro do Alemão, parte integrante do bairro Complexo do Alemão, na Zona da Leopoldina, Rio de Janeiro, formou a terceira turma do Programa CEPDOCA – Centro de Estudos, Pesquisa, Documentação e Memória do Complexo do Alemão. E durante esse evento, aconteceram outras atividades, uma delas foi o movimento “Vira Página”, um protesto contra o preço do gás de cozinha, envolvendo mais de 60 organizações da região metropolitana do Rio de Janeiro,
Sobre o Complexo do Alemão
Segundo a MultiRio, o Complexo do Alemão passou a ser um bairro oficialmente em 1993, através da lei nº 2055. O bairro abriga um dos maiores conjuntos de favelas da Zona Leopoldina, na Zona Norte do Rio de Janeiro, mas a principal é o Morro do Alemão. O bairro foi erguido sobre a Serra da Misericórdia e o nome, Morro do Alemão, foi originado em virtude de um imigrante polonês Leonard Kaczmarkiewicz, que os moradores locais se referiam a ele como “Alemão”, e esse nome é usado desde então.
O lugar em geral já foi considerado uma área violenta, mas, a partir de 2011 o poder público vem atuando na localidade através da UPP – Unidade de Polícia Pacificadora, o que mudou muito o contexto da localidade. Em julho do mesmo ano aconteceu a construção do primeiro sistema de transporte de massa por cabo no Brasil, o Teleférico do Conjunto de Favelas do Alemão, símbolo máximo da pacificação, que tinha a intenção de ligar a favela a outros transportes da cidade, e que atraiu muitos turistas e até a visita de um ex Presidente, o que resultou em muitas mudanças para os moradores, mas em outubro de 2016 parou de funcionar e hoje está abandonado. Essas ações foram parte do PAC Favela – Programa de Aceleração de Crescimento.
Entrevistas
Alan Brum é professor universitário e Coordenador do Instituto Raízes em Movimento, e David Amém é grafiteiro, jornalista e trabalha como Coordenador de Comunicação do Instituto Raízes em Movimento.
Abaixo, Alan Bum e David Amém, ambos cofundadores do Raízes em Movimento, dão uma entrevista e falam um pouco sobre o trabalho realizado pelo Instituto Raízes em Movimento.
Neuza Nascimento: Como nasceu o Instituto Raízes em Movimento?
Alan Brum: O Raízes em Movimento foi criado por um grupo de pessoas que faziam parte do movimento pré-vestibular comunitário, junto com alunos do EJA- Ensino para Jovens e Adultos, do qual eu era professor. O nome Raízes em Movimento foi escolhido por pessoas nascidas e criadas aqui, no Morro do Alemão.
Neuza Nascimento: Qual foi o propósito da criação?
Alan Brum: A ideia é criar pontes entre os movimentarmos pela cidade, construir articulações e possibilidades.
Neuza Nascimento: Pode falar um pouco sobre os dois eixos trabalhados pelo instituto?
Alan Brum: Um deles é a produção de conhecimento, onde são feitas pesquisas, levantamento de dados e processos formativos. O outro é Comunicação e Cultura, onde desenvolvemos o Favela DOC, que é uma formação em audiovisual. Desenvolvemos também eventos anuais que são o Circulando Diálogos e o Comunicação de Favelas, além de produção de informativos, boletins, jornais e outras mídias nas redes sociais. Temos um acervo aqui no Complexo do Alemão, e todas essas atividades estão dentro de um curso, um programa chamado CEPEDOCA, Centro de Pesquisa Documentação e Memória do Complexo do Alemão,
Neuza Nascimento: Pode falar sobre esse programa?
Alan Brum: O CPEDOCA é um curso de história e memória do Alemão. Traz a trajetória da ocupação inicial, que se deu há mais de um século, e a história das políticas públicas, desde a bica d’água até a chegada do PAC Favela – Programa de Aceleração do Crescimento, passando por várias outras áreas, falando de saneamento e etc.
Realizamos encontros falando sobre todo o processo da luta pela saúde dentro do Complexo do Alemão, da construção da identidade como região administrativa e depois como bairro, e sobre o papel da mulher no trabalho social aqui dentro da favela. Discutimos e debatemos sobre a produção de dados e pesquisas sobre o complexo e o quanto isso é importante. Falamos também, sobre as diversas organizações sociais locais, da criação das Associações de Moradores e outros fatos importantes como histórias do dia a dia, das brincadeiras, da folia de Reis, de festas juninas, bailes e carnavais antigos. Falamos de várias coisas que nos remetem a memória do Complexo do Alemão.
Neuza Nascimento: Qual o perfil dos alunos desse curso?
Alan Brum: Os alunos foram os moradores do Complexo do alemão e adjacências, professores da escola pública, médicos da Clínica da Família, o psicólogo do Centro de Apoio Psicossocial, além de pessoas de fora, como estudantes. Muitos professores destes cursos, são pessoas que participam das organizações sociais da própria comunidade, além dos pesquisadores locais.
Neuza Nascimento: O que será feito com o produto gerado durante o curso?
Alan Brum: Estamos nos mobilizando para transformar o conteúdo em um livro a ser publicado a partir de abril de 2023.
Neuza Nascimento: Qual é o propósito do movimento “Vira a Página”?
Alan Brum: Esse movimento acontece pelo fato da conta não fechar. A inflação chegou e está alta, os desempregados são muitos e o salário baixo não dá para as despesas básicas. Um botijão de gás de cozinha está custando mais de 100 reais, precisamos sair desse plano de morte onde nos encontramos, e ter uma perspectiva de um plano de vida, esse é o propósito desta campanha. A articulação começou aqui hoje e vai se expandir por diversas favelas e periferias da região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Davi Amém explica que o curso começou em maio de 2021 e terminou em novembro. Foram mais de 100 inscritos e 40 alunos formados. Não só moradores locais foram atendidos, mas também pessoas de outros territórios, pois se entende que o conteúdo é utilidade pública. Esse curso faz parte do Favela DOC, um projeto de produção audiovisual, desenvolvido pelo Raízes desde 2014.
Começamos com esse projeto dentro de uma parceria financiada pela Victoria Deluxe, instituição Belga, que aconteceu através de uma simpatizante, moradora de lá, que veio ao Brasil, ela conheceu o Raízes e se encantou com os projetos desenvolvidos na época pelo instituto.
Nesse mesmo ano foi executado, durante a Copa do Mundo de 2014, um o projeto chamado “Copa pra Alemão Ver” onde seis jovens moradores do Complexo do Alemão e da Penha foram beneficiados. Eles aprenderam a filmar e editar. O filme produzido durante o projeto fala dos impactos da Copa no dia a dia dos moradores de favelas do Rio de Janeiro.
David continua: “Desde então esse projeto vem sendo executado aproximadamente a cada dois anos. Em 2017, com um pequeno recurso e muitas parcerias, o Favela Doc aconteceu novamente, dessa vez com 15 jovens, que além da formação em audiovisual e fotografia, produzimos o documentário “Quando Você Chegou, o Meu Santo já Estava.” Esse documentário relata algumas histórias sobre a Umbanda e o Candomblé, com a participação de Zeladores e Zeladoras de santo, moradores locais e com Templos ativos aqui, ainda.
Hoje estamos encerrando, pela terceira vez, mais uma turma. E, a partir desse curso, produziremos mais um documentário, agora, sobre as histórias e memórias do Complexo do Alemão. Muitas pessoas estão sendo entrevistadas, pessoas que de alguma forma participaram aqui no Alemão do contexto político, social, de militância, de reivindicação e de políticas públicas, desde as décadas de 70 e 80. Estamos num processo de finalização desse documentário.”
Abaixo depoimentos de dois formandos do CEPEDOCA
“Fiz o curso para obter novos conhecimentos. Foi um curso enriquecedor, apesar de eu já saber um pouco da história das favelas, não conhecia muito sobre o Complexo do Alemão. Foi muito importante obter as informações recebidas durante o curso”.
Vanessa, 39 anos, Assistente Social, formada pela UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro e professora primária.
“Participei do curso de história do Morro do Alemão em busca de entendimento desse espaço de memória de extrema importância, mas sempre colocado à margem da sociedade carioca na totalidade. Para mim o curso serviu para eu perceber a riqueza de iniciativas sociais existentes aqui no Morro do alemão e nas favelas próximas como o Morro do Adeus, Manguinhos e Jacaré, onde as pessoas estão em estado de resistência fazendo movimentos. O curso serviu para conectar essas pessoas, esses grupos que estão buscando melhorias para o território via políticas públicas, e para termos de fato dignidade dentro dos nossos espaços de moradia.”
Carlos Silva, ex-morador do Complexo do Alemão, professor de história, leciona na rede pública do Rio de Janeiro.
O Complexo do Alemão é um complexo de favelas situado nos bairros Penha, Bonsucesso e Ramos.
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E clique aqui para assistir as produções “Copa Pra Alemão Ver” e “Quando Você Chegou o Meu Santo já Estava” e para saber mais sobre o Programa CEPEDOCA.