Críquete leva estudantes até a seleção brasileira
Conheça mais sobre o críquete, esporte que transforma a vida de jovens na cidade de Poços de Caldas (MG) e já levou atletas até a seleção brasileira da modalidade. Iniciativa já treinou mais de cinco mil atletas e promove o acesso a jovens entre 16 e 18 anos de mais de 50 escolas municipais e estaduais
Crédito das imagens: Cricket Brasil
Por: Gabriel Murga / Lupa do Bem – Favela em Pauta
O críquete, esporte praticado há mais de 470 anos com origem no sul da Inglaterra, encontrou em terras brasileiras espaço para o seu desenvolvimento recente e leva estudantes até a seleção brasileira da modalidade que voltará aos jogos olímpicos em 2028.
Embora ainda distante da popularidade de esportes como o futebol e as artes marciais mistas, atualmente as atividades esportivas com maior impacto e exposição no país, a cidade mineira de Poços de Caldas tem seu pioneirismo nessa prática que tem transformado a vida de jovens levando inclusive alguns a vestirem a camisa da seleção brasileira da modalidade.
No ano de 2011, um brasileiro de origem inglesa e ex-atleta profissional iniciou um projeto social na cidade localizada a cerca de 450 quilômetros da capital de Minas Gerais, Belo Horizonte, buscando estimular a prática do críquete no Brasil.
O Reino Unido, assim como a Índia e o Paquistão, são os países onde o esporte é mais popular. Mundialmente, é considerado o segundo esporte mais assistido, perdendo apenas para o futebol. Além disso, o críquete conta com a previsão de retorno ao programa dos jogos olímpicos em 2028.
Críquete leva estudantes a seleção brasileira
Com o avanço do projeto de Matt Featherstone, representante do Comitê Internacional do esporte, o críquete é atualmente ensinado em mais de 55 escolas públicas, estaduais e municipais para alunos com idades entre 16 e 18 anos.
Dez atletas da seleção brasileira feminina de críquete que disputarão a Copa do Mundo da modalidade, em novembro deste ano nos Estados Unidos, são de Poços de Caldas.
Sendo que nove dessas atletas tiveram o primeiro contato com a modalidade através de atividades esportivas em parceria com a rede pública de ensino por meio da Lei de Incentivo ao Esporte e o projeto da associação Cricket Brasil. Na equipe masculina, são dois atletas representando a seleção brasileira.
Entrevista com Roberta Moretti, capitã da seleção brasileira de críquete
O Lupa do Bem conversou com a capitã da seleção brasileira de críquete, Roberta Moretti, que é coordenadora do projeto Cricket Poços, professora de educação física e, claro, atleta da modalidade, sobre a potência do projeto para o país.
1) Qual o impacto do projeto na vida das e dos adolescentes e qual a expectativa para o ciclo olímpico de 2028?
O projeto é 100% desenvolvido em escolas públicas aqui na região, então geralmente são escolas que têm uma estrutura esportiva menos favorecida que escolas particulares e têm menos atividades extracurriculares e às vezes, um menor acesso aos materiais.
O Cricket entra como uma opção esportiva diferente dos quatro grandes esportes que nós temos geralmente aplicados no Brasil: futebol, vôlei, basquete e handebol. Além de ser outro esporte oferecido nas instituições, fazemos parte de projetos sociais que atuam no contraturno das escolas.
Então, são áreas que têm uma vulnerabilidade social e as crianças têm acesso ao críquete como atividade extracurricular, desenvolvendo habilidades motoras, onde vão estar desenvolvendo uma maior socialização e ganhando todos os benefícios do esporte.
Nós já estamos trabalhando no ciclo olímpico de 2028 – Los Angeles. Apesar do formato a ser jogado seguir indefinido, nós já estamos fazendo os investimentos aqui para a profissionalização do esporte.
Em 2020, a Seleção Brasileira Feminina se tornou profissional com 14 jogadoras contratadas e iniciou o processo de competições internacionais do Mundial de Cricket – ICC (International Cricket Council).
E nesse ano já começa a participar das classificatórias da Copa do Mundo. As Seleções Sub-19 masculina e feminina serão as próximas a se profissionalizar, e isso vai fomentar na seleção adulta masculina e feminina.
Então acredito que é muito promissor esse caminho para o críquete Brasil e, com certeza, quando chegarem os ciclos olímpicos de 2028 e de 2032, nós vamos estar bem preparados para esse momento.
2) Qual a importância da Parceria entre críquete e os órgãos da educação em Poços de Caldas?
Aqui em Poços de Caldas, nós temos muita sorte de ter muito apoio: tanto dos órgãos de educação, quanto de empresas e de pessoas que apoiam o projeto do críquete Brasil.
E isso é fruto de um produto muito bem estruturado, quem conhece o projeto do Cricket Poços, do Cricket Brasil, vê primeiro quanto às crianças amam, quanto os adolescentes amam e como ele é muito transparente.
Então, nós temos crédito com as pessoas com quem nós trabalhamos: com as prefeituras; com as secretarias de esportes; com as empresas através de leis de incentivo Municipal e Federal.
E o crescimento do projeto de 26 crianças em 2009/2010 para mais de cinco mil crianças acessando o críquete semanalmente foi por apoio dessas empresas. O projeto universitário, que forma professores de cricket para aumentar o projeto anualmente, acontece com apoio da faculdade e com apoio de empresas colaboradores, então não seria possível ter um crescimento tão sustentável sem cada um desses órgãos.
3) A maior parte das atletas formadas pelo projeto são mulheres, assim como a presença das meninas da cidade na seleção é maior. Existe uma diferença de quando o projeto foi iniciado, para agora, isso com relação a questão do machismo no esporte.
Nos projetos hoje nós temos cerca de 50% dos meninos e 50% das meninas jogando. Quando esse número vai para alto rendimento acho que devido às oportunidades que estão acontecendo hoje com a seleção brasileira feminina sendo contratada com uma seleção de desenvolvimento também já tomando forma aqui, nós vemos um número de meninas muito grande em alto rendimento. Eu acredito que há oportunidade para outros esportes terem a mesma participação. O Brasil é um país esportista, tem um clima ideal para prática de esportes e as pessoas aqui se movimentam, as pessoas aqui não são sedentárias quando jovens.
O que eu acho que acontece em alguns esportes é que a prática é muito voltada para os meninos, e aí vem a questão do machismo no esporte. Me graduei em educação física e fiz pós-graduação na área esportiva. Durante esses estágios, não era incomum ver uma aula [esportiva] de 50 minutos virar 40 minutos de futebol para os meninos e 10 minutos para as meninas e, por muitas vezes, o incentivo ser diferenciado por gênero.
Eu entendo até um pouco porque existe essa tendência cultural, porque toda criança brinca e/ou pratica esportes até seus 8, 9, 12 anos juntos, independente de gênero. Quando chegamos na idade a partir dos 13 e 14 anos, os meninos se desenvolvem biologicamente e ficam mais fortes e mais rápidos que as meninas, geralmente, e isso faz com que educadores devam assegurar que todas as meninas e meninos sejam incluídos nas atividades – não somente aqueles que tenham se desenvolvido melhor.
O esporte pode e deve ser usado como meio de educação e desenvolvimento pessoal e essa inclusão é parte primordial de qualquer projeto esportivo bem estruturado. O Cricket faz isso de forma muito clara e acredito que influencia muito no número participativo de meninas.
O Brasil foi o primeiro país a contratar a Seleção Feminina de Cricket antes da seleção masculina no mundo. Isso é um marco que temos muito orgulho e que só foi possível com a um trabalho de base de inclusão e respeito por todos os gêneros.
4) Qual a sua expectativa para a disputa da copa do mundo, este nos Estados Unidos. Como estamos preparados para esse desafio?
Estamos muito felizes em jogar as Classificatórias para a Copa do Mundo. Esse é um torneio que foi postergado devido à pandemia, mas que, na verdade, nos beneficiou, pois tivemos a oportunidade de treinar por mais um ano e nos prepararmos com mais intensidade.
O Brasil tem um time muito jovem, mas de muito talento, muita garra. O críquete no Brasil está se desenvolvendo cada vez melhor e estamos vendo novos talentos aparecendo todos os dias e eu tenho certeza que quando nós formos jogar no segundo semestre vai ser muito bonito ver o Brasil chegando lá pela primeira vez.
E mais importante ainda, temos muito potencial de passar essas etapas e jogar a Copa do Mundo dentro de alguns anos e vai abrir várias portas para o Brasil num futuro bem próximo.
5) Consegue definir o impacto do críquete para a vida dos jovens de Poços de Caldas? E como o projeto poderia ser espelhado para outros locais?
Para responder essa pergunta, irei dar um exemplo: nós temos, no projeto, um menino chamado Michel Assunção, que nasceu em uma das áreas mais pobres da cidade onde nós temos um projeto de desenvolvimento de Cricket.
Ele era um menino muito rápido e gostava muito de esportes e, logicamente, acabou indo muito bem com o críquete e fez parte da primeira equipe de sub-13 a fazer uma viagem internacional do Cricket Brasil.
Ele é um menino que saiu de uma região onde as pessoas geralmente não saem da cidade, não vão até São Paulo, por exemplo. Michel viajou, foi para a Argentina, competiu e desde então ele competiu no sub-13 e sub-17, sempre viajando. Foi para o Rio de Janeiro jogar o campeonato nacional, foi para Brasília.
E foi um menino que saiu do bairro dele, conheceu países e conheceu o país. Hoje, ele está no segundo ano da faculdade de educação física, através do projeto universitário do Cricket Brasil, e está se formando para ser um professor de educação física para dar sequência a esse trabalho.
Ele é a primeira pessoa da família a fazer curso superior. Assim como o Michel, há outros jovens no mesmo trajeto conseguindo espaços parecidos devido ao projeto. Então com certeza o Cricket tem uma influência muito bacana na vida desses jovens e com certeza isso vai ser espelhado para outros locais.
Nós temos o projeto e estamos esperando apenas a pandemia nos permitir, que é estender o projeto para o estado de São Paulo.