Por meio de encontros, palestras e outras atividades, associação promove o letramento racial na cidade de Atibaia e região
Aulas de capoeira, corimba, dança africana, grupos de mães, atendimento psicológico e letramento racial. Essas são algumas das atividades que a Associação Negra Visão oferece em Atibaia e região, no interior de São Paulo. O objetivo é difundir a cultura preta e combater o racismo.
As atividades são gratuitas e abertas para a população em geral. O letramento racial, em especial, permeia todas as ações e, muitas vezes, utiliza a arte da contação de histórias para sensibilizar o público por meio dos Itans, como são chamadas as lendas e histórias da cultura yorubá.
Temas ligados à potência do povo preto e também ao preconceito cotidiano, à segregação e à injúria racial estão sempre no centro do debate. Além disso, há palestras na sede da associação, escolas e outros espaços coletivos.
“Muita gente não sabe o que é racismo e o quanto isso ofende a gente. Então o nosso papel é explicar de onde ele vem e como ele opera no nosso país”, diz a diretora da associação, Silvana Cotrim.
Atitudes cotidianas
Silvana explica que, muitas vezes, o racismo passa despercebido tanto pelas pessoas que o praticam quanto para as vítimas. Por isso, a associação está sempre mostrando os tipos de racismo e como ele é exercido no dia a dia.
“Se tem duas pessoas na fila, uma branca e uma preta, e a pessoa branca acha que pode passar na frente da preta porque está com pressa ou porque tem criança, ela precisa entender que a pessoa preta que está na frente também tem pressa, também tem criança e também está esperando. Muitos atos assim são praticados sem pensar”, alerta.
“Tem gente que acha que não é racista porque nunca xingou uma pessoa negra. Mas quando você chega ao mercado e acha que aquela pessoa preta que está olhando o preço de uma mercadoria tem a intenção de roubar, isso já é racismo”, continua. Ela lembra que o letramento racial é fundamental, tanto para pessoas brancas quanto pretas.
“Ainda há, inclusive, muitas pessoas pretas que não sabem identificar o racismo. Encontrei um menino outro dia que foi agredido por um homem que passou por ele, bateu e depois falou ‘sai neguinho’. Depois de cinco minutos, fui perguntar ao menino se já tinha sofrido racismo e ele disse que não! Então tem muitas pessoas pretas que nem sabem que aquilo que elas sofrem no dia a dia é racismo”, esclarece.

Associação Cultural Negra Visão
Algumas atividades são direcionadas exclusivamente para a população negra, porém, isso não faz da Associação Negra Visão um clube de pessoas pretas, ressalta a diretora. “A associação foi criada para dar suporte aos nossos, porque uma pessoa preta sabe o que a outra sofre. Nunca vou questionar alguém que disser que sofreu racismo, por exemplo. Mas, além disso, nós mostramos a potência do povo preto.”
Essa potência é celebrada na gestão local do cursinho universitário Uneafro, na comemoração anual do Dia da Consciência Negra e na realização do primeiro Memorial Negro da região, com um acervo de 120 peças da época da escravização que estava sob cuidados da igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Atibaia.
A associação ainda tem cadeira cativa no Conselhos Municipais de Cultura e Saúde e foi a principal articuladora da criação do Conselho Municipal de Promoção de Igualdade Racial (Compir), um feito inédito na cidade que até hoje disputa o título de uma das últimas a abolir a escravização no país.
“As pessoas precisam entender que elas podem estar sofrendo racismo. Só assim é possível combater. Para isso existe o Compir: para coletar denúncias e propor uma mudança dentro da delegacia de modo que os casos de racismo sejam tratados da maneira correta”, comenta.
Potência do povo preto
A Associação Negra Visão surgiu em 2018, após Silvana perceber que, na ONG onde atuava como voluntária, havia um tratamento diferenciado para pessoas negras e brancas.
“Um dia entrou um rapaz negro e resolvi perguntar aos atendentes por que ele tinha sido tratado daquela maneira. Me falaram ‘não, imagina, tratamos todos iguais’. Eu pensei: nem eles que recebem os beneficiados percebem a diferença. Aí já comecei a imaginar o Negra Visão”, recorda-se.
Desde então, ela é a principal articuladora do movimento negro que se mantém até hoje na cidade.
“Quando comecei a pensar o Negra Visão, fui procurar a Secretaria de Cultura para saber sobre o Dia da Consciência Negra e me pediram para fazer algo. Então, um mês antes, fizemos uma reunião no Centro Cultural André Carneiro com a chamada ‘Negros de Atibaia, onde estão vocês?’ Imaginei uma reunião com 5 pessoas, tinham 30. Era um sinal de que outras pessoas também queriam saber. Aí fomos seguindo, fazendo reuniões nas praças, onde dava.”

Racismo é crime
Hoje, a associação é reconhecida como utilidade pública pela prefeitura de Atibaia e recebeu a medalha de honra por serviços relevantes prestados à população negra. Para manter suas atividades, a associação faz eventos, bazar, feiras e palestras.
Silvana reforça que o combate ao racismo exige posicionamento e que a luta antirracista precisa ser um compromisso de toda a população. “Cada vez que uma pessoa comete um ato racista, é preciso dizer que aquilo é um ato racista. Não precisa gritar, mas ser firme e dizer que é racismo e é crime.”
Ela ressalta que a população negra deve buscar se empoderar para tirar o sentimento de inferioridade que lhe foi incutida durante a escravização. “É preciso sair daquela subserviência, de sempre falar ‘sim senhor’, de ser maltratado e deixar pra lá. Como uma pessoa que ouvi falar: ‘Ah, é assim mesmo que a gente é tratado. Eu estou acostumado.’ Não é para estar acostumado!”
“Passei muitos anos da minha vida achando que a professora não gostava de mim. Achando que não me chamaram para a vaga de trabalho porque a outra candidata, que era uma amiga branca com o mesmo nível de instrução, era mais inteligente do que eu. Com o tempo, fui vendo que, na verdade, era tudo racismo. Por isso o letramento racial é tão importante”, diz.
Quilombo urbano
A associação agrega pessoas espalhadas por toda cidade. Muitas delas nunca estiveram no quilombo urbano Negra Visão, onde funciona a sede, na região central de Atibaia — as atividades da associação não se restringem àquele espaço. Ainda assim, trata-se de um local com forte valor simbólico.
“O quilombo sempre foi um lugar de resistência, onde os escravizados se reuniam para se proteger, se fortalecer, para ter estratégias de luta contra a opressão, contra a escravização, contra toda a dor. Para nós, o quilombo urbano é isso. É um lugar de resistência dentro de uma sociedade que é constituída por uma maioria de pessoas brancas ocupando o poder.”
E alerta: “Essa recusa em libertar os negros da escravização continua até hoje! Eu já ouvi gente aqui em Atibaia dizer que ainda mantém a senzala na propriedade porque a escravidão vai voltar, entendeu?”
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