Dia do Trabalho: Associação de faxineiras luta pelos direitos em BH

A Associação Tereza de Benguela surgiu para oferecer serviço de faxina em forma de cooperativa e hoje lidera o movimento pela defesa da categoria; regulamentação é a principal reivindicação

01.05.24

Neste Dia do Trabalho, o Lupa do Bem conversou com Renata Oliveira, coordenadora da Associação Tereza de Benguela, que lidera o movimento pelo direito das faxineiras de Belo Horizonte. A associação começou em 2014 como cooperativa, organizando diversas  mulheres em torno do trabalho e hoje dedica-se exclusivamente à luta das diaristas. 

Nascida em Montes Claros, Minas Gerais, Renata Oliveira conta que mudou-se para Belo Horizonte aos 18 anos e começou a trabalhar em uma multinacional como coordenadora financeira. O excesso de trabalho, no entanto, gerou graves problemas de saúde mental, afastando-a da sua função por dois anos. No seu retorno, ela foi demitida. 

“Isso foi em 2012. Tinha um currículo muito bom, mas não conseguia emprego. As coisas foram piorando e decidi fazer faxina. Entrei nos grupos feministas de Belo Horizonte, no Facebook, contei minha história e pedi uma oportunidade para fazer faxina para mulheres”, recorda-se. 

A seguir, separamos os melhores momentos da entrevista. Falamos sobre o mercado de trabalho, direitos, economia do cuidado, emancipação das diaristas e muito mais. Confira! 

O coletivo Tereza de Benguela 

“Um dia, num dos grupos feministas de BH, uma mulher postou uma mensagem assim: ‘Gente, vocês têm referências da faxineira Janaína? Sabem me dizer se ela rouba?’ Eu fiquei muito assustada! E falei: ‘ninguém faz uma pergunta dessas sobre um médico, um professor, um arquiteto. Por que para a faxineira e empregada doméstica têm que ser tão depreciativo, tão moralmente ofensivo?’ Aí começou uma discussão e quando terminou, algumas mulheres me chamaram no privado dizendo que eu precisava fazer alguma coisa. ‘Fazer o quê?’, perguntei. E elas responderam: ‘abrir uma cooperativa!’ Aí fui lá e com o apoio delas, fundei o Tereza de Benguela.”

Da cooperativa para associação 

“Quando abri a cooperativa, entrou muita faxineira. Eu era a coordenadora. Mas chegou uma hora que eu disse: ‘não dá pra gente continuar como cooperativa, porque não quero mais trabalhar no mercado dessa forma, com essa geração de renda.’ Eu queria um espaço onde pudesse falar da luta da mulher diarista. Pensando em movimento social mesmo, um espaço em que as pessoas pudessem enxergar que essas mulheres existem. Com isso, mudamos o formato do Tereza. Deixamos de ser cooperativa e nos tornamos uma associação. Hoje temos CNPJ, contador, tudo certinho.”

Mercado de trabalho

“Hoje a luta principal do Tereza é pelo direito das diaristas. Porque quando saiu a PEC das domésticas em 2013, deixaram as diaristas de fora. Elas foram excluídas de qualquer direito social e caíram na informalidade. E com a precarização do trabalho, o retrocesso da carteira assinada e o sindicato desobrigando as contribuições, a informalidade cresceu muito. Mas essa informalidade não pode crescer e ficar sem destino. Por isso temos que estar juntas, lutando por uma lei que proteja as diaristas, tentando garantir segurança social. Essas mulheres estão todos os dias nas casas dos outros, cuidando, limpando, cozinhando, fazendo tudo. Como elas vão se aposentar?” 

Imagem: reprodução.

Economia do cuidado

“Aqui em Belo Horizonte foi muito debatido o cuidado da pessoa com deficiência e do idoso, mas pouco se falou da faxineira e da empregada doméstica. Não debateram, por exemplo, como elas serão inseridas nessa política. As empregadas domésticas e faxineiras são sempre as últimas a serem lembradas. A diarista, principalmente. Ela faz parte de uma precarização do trabalho do cuidado, ela está num lugar de muito mais dificuldade de acesso aos direitos. Então a política de cuidado também precisa chegar para elas. Só que no Brasil não existe pesquisa sobre as diaristas. Os dados que saem do IBGE e do Ministério do Trabalho são baseados nos sindicatos das empregadas domésticas. E existem poucos dados, nem todas as capitais do Brasil possuem sindicatos. Se não temos esses dados de quantas diaristas existem no país, como elas vão entrar no plano de cuidado?”

Emancipação da mulher faxineira

“As faxineiras e as empregadas domésticas estão fazendo o trabalho do cuidado para que outras mulheres possam exercer seu direito de advogar, ser médica, professora. E é preciso mudar essa visão social, esse status muito ruim associado à diarista. Por ser uma profissão de herança escravagista, as pessoas não acreditam que é possível se emancipar sendo uma mulher diarista. Elas acreditam que só vão conseguir se emancipar se saírem desse lugar e forem para outro. 

As mulheres brancas são emancipadas desde quando nascem. Mulheres pretas têm que lutar muito por isso. Não sou considerada uma mulher emancipada. Independente de tudo que já tenha feito, preciso que uma mulher branca me emancipe. Então é importante falar sobre essa emancipação, sobre essa mobilidade social, de sair desse lugar da empregada, da diarista, da vulnerabilidade, para pegar o lugar de uma mulher trabalhadora prestadora de serviço.”

Campanha 

“Tenho muita vontade de fazer uma campanha para quem contrata as diaristas. Explicar o que é o serviço da diarista e o que não é, apesar de achar que essa definição do trabalho é complicada, porque depende muito da relação que se tem entre quem contrata e a diarista. Tem diarista que faz de tudo, tem diarista que não…  De qualquer forma, é importante fazer uma campanha para as pessoas que contratam, falar sobre esse lugar de exploração e de desvalorização do trabalho. As pessoas deveriam se unir, principalmente as mulheres, na luta das diaristas e falar mais sobre a valorização desse trabalho.” 

Direitos 

“Eu acredito que a principal luta é a segurança social. Como isso vai ser feito, ainda não sabemos, porque a diarista não possui um único chefe, ela trabalha para várias pessoas. Mas temos o exemplo da legislação da Argentina, que faz o registro por hora. Então, independente de quanto tempo a pessoa trabalha, o registro da hora consegue abarcar as diaristas. Ainda não sabemos se o estatuto e a legislação brasileira conseguem acoplar isso. Porque o Brasil ratificou a convenção 189, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que fala um pouco sobre isso, mas não implementou.  

Se conseguíssemos implementar essa lei, teríamos um avanço muito bom. Sabemos que a criação da lei não garante que os direitos das faxineiras serão de fato reconhecidos. Esse é outro passo. As domésticas, por exemplo…  foi feita a PEC para elas e a formalização caiu 27%. Então, essa é outra luta. Mas o ideal seria garantir pelo menos a Seguridade Social. As faxineiras não falam muito de assinar carteira, de seguro-desemprego. O maior medo delas é não ter aposentadoria.”

Imagem: reprodução.

Movimento das faxineiras

“Nós vamos fazer a primeira audiência pública de Belo Horizonte para tratar do assunto das faxineiras, falar sobre regulamentação e ouvir a expectativa de uma trabalhadora diarista. Estamos nesse lugar de emancipar essas mulheres, de empoderá-las, de ensinar os direitos sociais que elas têm como mulheres. E as pessoas dão mais credibilidade quando se é uma associação instituída, com CNPJ e corpo diretor. Isso tudo faz diferença aos olhos de quem está te recebendo. Hoje, por exemplo, conseguimos falar com deputados, receber emenda parlamentar, participar de editais… Nós fomos para Brasília, ficamos sete dias lá, fizemos incidência no Ministério dos Direitos Humanos, no Ministério da Igualdade Racial… Fazer isso sozinha, sem nenhum tipo de organização, sem nada, é muito difícil. A luta é coletiva!” 

Empoderamento

“Nós acreditamos na articulação como ferramenta de união. Então, vamos para o território dessas mulheres, buscamos a liderança e consolidamos as mulheres faxineiras daquele espaço. Falamos um pouco sobre o direito das faxineiras, abrimos para que elas também falem um pouco de suas dores, do que  vêm passando e o que elas esperam. Depois,  convidamos as mulheres para participarem do Tereza de Benguela, para irem às reuniões e participarem das atividades. Nós temos um critério que é sempre pagar o transporte e o lanche dessas mulheres, para que elas possam se deslocar para as reuniões. Elas também podem levar os filhos, nós temos uma pessoa para fazer a recreação das crianças enquanto estamos em reunião.”

Mudança nas famílias brasileiras

“O mercado de trabalho das empregadas domésticas mudou muito. O formato das famílias se transformou, já não tem tanto aquele formato de família grande, que precisa de alguém para ficar cuidando 24 horas por dia. Não tem mais essas casas imensas… é tudo menor, são apartamentos, a maioria com duas pessoas e um filho ou até sem filhos, no máximo um animal, e todo mundo sai para trabalhar, não tem mais essa necessidade de alguém limpando a casa todos os dias. E como teve essa mudança, cresceu a informalidade, tirou a carteira assinada.” 

Trabalho análogo à escravidão

“Um trabalho importante da associação é apresentar às mulheres os mecanismos sociais que o Estado tem para ajudá-las gratuitamente. Nós levamos até o Ministério Público, para fazer denúncia pelo Ministério do Trabalho. Levamos para o CRAS, onde é possível recorrer a Bolsa Família, pegar vale-transporte social. Aqui em Minas Gerais não temos sindicato das domésticas, nenhuma representação sindical. A representação que existe somos nós. Então nós também recebemos essas mulheres, para poder enviá-las a algum órgão que possa cuidar dos direitos trabalhistas e sociais delas. Além disso, nós ajudamos as mulheres sobreviventes do trabalho análogo à escravidão, porque muitas diaristas trabalham na linha de frente do trabalho análogo à escravidão.”

Renata Oliveira, coordenadora da Associação Tereza de Benguela. Imagem: reprodução.

Quer apoiar essa causa?

A Associação Tereza de Benguela não possui sede física e atua por meio de participação em editais, emendas parlamentares e doações. O trabalho voluntário é sempre bem-vindo. Para saber mais, acesse o site e siga o perfil @coletivoterezadebenguela no Instagram e no Facebook

Maira Carvalho
Jornalista e Antropóloga, Maíra é responsável pela reportagem e por escrever as matérias do Lupa do Bem.
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