Dia mundial de combate à Aids: ONGs são centrais para a defesa de direitos e na luta contra o estigma de pessoas com HIV
Número de pessoas vivendo com HIV diminuiu ao longo dos anos, mas continua alto; jovens são os mais vulneráveis no Brasil
Décadas após o início da epidemia de Aids no mundo, o dia primeiro de dezembro continua sendo fundamental para o combate ao vírus HIV. Somente no Brasil, segundo último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, de 2022, foram registrados cerca de 40 mil novos casos de pessoas infectadas por HIV e mais de 35 mil casos de Aids.
Como mostram os dados, viver com HIV não é a mesma coisa que ter Aids. Os medicamentos vêm garantindo mais tempo e qualidade de vida, evitando que a infecção leve à doença. O preconceito e o estigma, porém, dificultam a conscientização sobre essas questões.
Para Josineide de Meneses, coordenadora de programas e projetos da Ong Gestos, de atenção às pessoas soropositivas para HIV, a desinformação e o tabu da sexualidade contribuem para isso. “Quando surgiu a Aids no Brasil, a imprensa noticiava como peste gay, porque no começo atingiu muito mais homens homossexuais. Mas hoje a maior parte dos infectados é de homens que se identificam como héteros e que fazem sexo com outros homens, os chamados HSH”, diz.
Ela ressalta que, embora a infecção seja maior entre os homens, as mulheres pretas são as que mais morrem, tanto pela dificuldade de acesso aos serviços de saúde quanto por questões materiais e pelo próprio estigma. “Muitas não fazem o tratamento porque não querem que os outros saibam dessa condição”, explica.
A luta contra o estigma
Para Josineide de Meneses, associar a infecção com promiscuidade sexual também reforça uma visão distorcida sobre os riscos. “Saber quantos parceiros a pessoa tem e querer controlar isso é do campo moral. Isso não interessa! Cada pessoa sabe da sua vida sexual. O importante é que a pessoa se previna”, alerta.
A Ong Gestos foi criada em Recife, em 1993, para apoiar pessoas vivendo com HIV e fazer incidência política para que os governos pudessem responder com ações de prevenção e efetivação de direitos aos portadores. Naquele momento, o único medicamento disponível era o AZT.
“No começo, costumávamos atuar com assessoria jurídica para garantir a medicação, depois passamos a trabalhar com a questão da discriminação no trabalho e hoje estamos focados nos direitos de previdência social”, aponta. Atualmente, cerca de 400 pessoas são atendidas pela organização por ano. A Ong é a única do país com atuação consultiva junto à ONU e foi eleita uma das melhores do Brasil em 2022.
Além da assessoria jurídica, a Gestos oferece testagem de HIV, hepatite e sífilis, bem como acolhida e atendimento psicológico, tudo de forma gratuita: “Receber o resultado positivo para o HIV mexe muito com a subjetividade. Para muitas pessoas, ainda é muito difícil de encarar, exatamente por conta do impacto do estigma”, diz Josineide.
Vida normal
Com o surgimento do coquetel de medicamentos antirretrovirais, em 1996, foi possível impedir a multiplicação do vírus no organismo, ajudando a evitar o enfraquecimento do sistema imunológico. Desde então, novos remédios foram sendo desenvolvidos, permitindo uma vida normal aos portadores de HIV.
O governo brasileiro oferece o tratamento gratuito, tudo via SUS. São 22 medicamentos em 38 apresentações farmacêuticas diferentes. Já há, inclusive, muitos casos de pessoas que tomam a medicação com carga viral indetectável para o HIV. Após seis meses, e mantendo o tratamento correto, o risco de transmissão pela via sexual é considerado insignificante nestes casos.
Entre 2011 e 2021, no entanto, mais de 50 mil jovens com HIV, entre 15 a 24 anos, de ambos os sexos, evoluíram para Aids. Os números mostram que é preciso envidar esforços para a vinculação nos serviços e adesão à terapia antirretroviral (TARV).
Jovens e sexualidade
Os jovens vêm se tornando o perfil de pessoas infectadas que mais cresce no Brasil. Segundo Josineide, muitos espaços onde os jovens circulam hoje são permeados pelo conservadorismo religioso, dificultando o diálogo sobre essas questões. Por isso, a Ong mantém um espaço aberto para jovens e adolescentes que vivem com ou sem HIV.
O espaço serve para levar informações sobre saúde sexual e reprodutiva, debater temas ligados à orientação sexual e identidade de gênero e oferecer atendimento psicológico para acolher essas questões. Lá também é feita uma formação com jovens ativistas, que visitam escolas e outros espaços comunitários.
O objetivo é levar esses jovens para dialogar com outros, na perspectiva de educação de pares. O grupo é diverso do ponto de vista de identidade de gênero e orientação sexual. “No grupo há héteros, trans, bissexuais e não-binários, exatamente para refletir sobre essas questões no grupo e depois conversar com o público de fora, de modo que possa haver uma identificação entre eles”, conta Josineide.
Sexo seguro
A maioria dos casos de transmissão do HIV ocorre por meio de relações sexuais desprotegidas. O uso de preservativos, portanto, continua sendo a principal forma de evitar. Também é possível ser usuário da PREP, que é a profilaxia pré-exposição.
Para Cristiano Ramos, ativista da luta contra a Aids, é preocupante ver o crescimento de HIV entre adolescentes. “Isso mostra que eles estão iniciando a vida sexual cada vez mais cedo e sem proteção”. Ele observa que as campanhas de prevenção diminuíram à medida que a medicação tornou-se mais efetiva no controle da infecção.
“Faz muitos anos que o governo não desenvolve uma campanha séria, educativa, falando sobre uso de preservativos, estimulando a testagem… o diagnóstico precoce interfere diretamente na qualidade de vida do portador”, avisa.
O ativista lembra que durante os anos 1990 e início dos anos 2000 era comum ter campanhas sobre a infecção durante todo o ano. “Hoje, a maior parte das verbas direcionadas ao HIV/Aids no Brasil são usadas para aquisição de medicamentos”, aponta.
As ONGs e os direitos das pessoas vivendo com HIV e Aids
Cristiano Ramos vive com HIV há 35 anos e hoje coordena a ONG Amigos da Vida, fundada pelo seu pai, no Distrito Federal, no ano 2000. Ele conta que descobriu que tinha HIV com 18 anos e que o pai abraçou a luta no mesmo momento.
“Tomava a medicação no hospital público e vi pessoas morrerem ao meu lado por falta de apoio financeiro e de apoio familiar. Então meu pai começou a fazer um trabalho dentro do hospital, comprando as medicações das infecções oportunistas. Porque o governo tratava o HIV, mas não as infecções que acometem corriqueiramente as pessoas que estão com a defesa imunológica muito baixa”, recorda-se.
Ao longo desses 24 anos, já passaram pela ONG mais de 30 mil pessoas. É a única organização que defende os direitos dos portadores de HIV/Aids no Distrito Federal e no entorno. “É possível pedir aposentadoria por invalidez ou BPC LOAS. Se a pessoa possui um imóvel financiado pelo Banco do Brasil ou pela Caixa, e o diagnóstico for posterior à compra do imóvel, o imóvel também é quitado”, esclarece.
Além de oferecer atendimento jurídico gratuito, a ONG defende os direitos das populações LGBTQIAP+ e promove projetos sociais, como as brinquedotecas construídas em hospitais públicos e as bibliotecas feitas em escolas da periferia. Há ainda espaços construídos em hospitais para acolher mulheres vítimas de violência.
Todas essas ações são realizadas em parceria com outras instituições, como o governo da Holanda, Brazil Foundation, Ministério da Saúde, Ministério da Cultura e a rede de laboratórios Sabin.
HIV não se pega com abraço ou beijo
Para Cristiano Ramos, é preciso separar a epidemia de Aids em dois momentos. O primeiro, quando surgiu, na década de 1980, em que as pessoas morriam rapidamente, porque não havia tratamento adequado. E o outro, de 1996 até os dias atuais, marcado pelo avanço da medicação.
“Hoje os remédios possuem menos ou quase nenhuma reação adversa ou efeito colateral. Isso permite ao portador de HIV levar uma vida normal. A única coisa que existia naquela época e continua existindo hoje é o estigma, o preconceito e a discriminação”.
Segundo ele, somente a informação pode combater o estigma e o preconceito ligado aos portadores do vírus. “O HIV não se pega no abraço, no beijo ou compartilhando talheres. Só não pode compartilhar com a pessoa vivendo com HIV os objetos perfuro cortantes. O resto pode tudo”, esclarece.
O ativista lembra que o Brasil é uma referência no tratamento de HIV/Aids. Mesmo assim, ainda há muita discriminação. “Muitas famílias expulsam de casa a pessoa que foi diagnosticada. No ano passado, fui visitar um paciente no Lago Sul e quando cheguei lá, vi a casa principal e, no fundo, um apartamento para o filho que tinha HIV. Absurdos como esses ainda acontecem…”, desabafa.
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