Sustentabilidade: conheça a comunidade tradicional dos geraizeiros

Comunidade dos Geraizeiros vive na transição entre o cerrado e a caatinga, em um espaço popularmente conhecido como Campos Gerais

24.08.21

Créditos: Sara Gehren/Peter Caton – ISPN/ Coletivo de Comunicação do MAB/Acervo Pessoal

Por: Eduarda Nunes/Favela em Pauta – Lupa do Bem

O sexto relatório de avaliação do Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas (IPCC), publicado no início de agosto, revela que ações humanas já provocaram mudanças climáticas irreversíveis no mundo. 

Dado alarmante, que já vem sendo sentido em diversas partes do mundo. Recentemente, temos nos deparados com acontecimentos na natureza que fogem do esperado: onda de calor no Canadá, cheias históricas na Europa, desertificação de parte do semiárido brasileiro são alguns exemplos. 

Antes e depois desse cenário, povos tradicionais têm atuado como influenciadores importantes para remediar os impactos negativos dessas ações.

Há quase meio século, entre o norte de Minas Gerais e o oeste baiano, os geraizeiros resistem – uma comunidade tradicional que vive na transição entre o cerrado e a caatinga, em um espaço popularmente conhecido como Campos Gerais. 

Até hoje, eles criam estratégias para manter suas origens.

Reconhecidos enquanto comunidade tradicional pelo Governo Federal em 2007, através do decreto n.º 6.040, apenas em 2018 eles receberam a certidão de autodefinição da Comissão Estadual para o Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais (CEPCT-MG). 

A briga para garantir seus espaços e suas tradições é uma constante, e a demarcação das terras ainda é um processo em andamento.

Geraizeiros
Geraizeiros estão há pelo menos sete gerações preservando e colaborando com a biodiversidade de seu território. Foto: Peter Caton/ISPN

Um povo que tem uma intimidade única com o cerrado, intitulados guardiões de uma área conhecida como terras livres, por conta do modo de vida coletivo da comunidade. 

Nenhuma cerca, animais sendo criados soltos, cultivo de lavouras diversificadas e valorização das plantas nativas do bioma são a marca registrada dos geraizeiros. 

Com o passar do tempo, a comunidade, assim como o bioma, precisou se adaptar e tentar frear circunstâncias que empreendimentos de monocultura e mineração causaram na área.

Maria Lúcia tem 57 anos e vive hoje os impactos da chegada da monocultura do eucalipto na região nos anos 70.

Segundo ela, a proposta inicialmente apresentada era de desenvolvimento e crescimento para todos.

“E muitas pessoas se deixaram levar, considerando que o sistema de trabalhar a terra, a natureza, respeitando os ciclos, era uma forma atrasada de viver. Só que as consequências foram catastróficas para nós”, conta.  

“Algumas pessoas ganharam dinheiro com esse desenvolvimento, construíram casas, compraram carro, evoluíram, mas a água acabou quase na região toda. E aí? Quem vai construir nascente, construir rio?”, questiona.

Termo criado no século XX, a agroecologia se baseia profundamente no modo de vivência e produção de comunidades originárias e tradicionais, como são os geraizeiros. 

No cenário atual, Maria Lúcia entende que este seja um momento de retomada das práticas de respeito aos ecossistemas, na tentativa de reverter alguns danos, sob a perspectiva de que a agroecologia representa o principal caminho para a sustentabilidade da vida humana. 

“Ignorar o sistema agroecológico, acho que é uma ignorância contra si mesmo, porque o ser humano não tem esse poder sobre os recursos naturais”, diz.

Dona Maria Lúcia – Foto: Acervo Pessoal
Dona Maria Lúcia – Foto: Acervo Pessoal

Geraizeiros e Geraizeiras: Firmeza no território

Além do eucalipto, a mineração de ferro e a barragem da Usina de Irapé também interferem no modo de vida dos geraizeiros. 

Nos primeiros sinais de escassez dos rios e nascentes, secas mais intensas e chuvas não tão equilibradas para as produções nas lavouras, eles partiram para o enfrentamento físico e jurídico. 

Maria conta que a monocultura chegava a encurralar as casas de tão próximos que estavam da comunidade, e que foi preciso até parar máquinas para garantir que o restante de vegetação nativa não fosse tocada.

Geraizeiros
Foto: Coletivo de Comunicação do MAB

Desde então, a luta jurídico-institucional, organizada no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), segue enquanto os geraizeiros dão continuidade às suas tradições de cuidado com a biodiversidade remanescente do cerrado. 

Algumas nascentes conseguiram ser preservadas e garantem o cultivo dos produtos agrícolas durante todo o ano, embora algumas famílias sejam atingidas pela seca. 

Nem sempre é possível comercializar, mas a subsistência da comunidade é garantida. 

“Moramos em comunidades bem populosas. O pessoal mora em pedaços de 1, 2 hectares. Quem tem mais chega a 10 ou 20 no máximo. Então, são pedacinhos de terras pequenas. A gente tem que saber trabalhar a diversidade dentro dessas áreas e enfrentar grandes períodos de seca”, detalha Maria Lúcia, que também faz parte do programa de Mestrado Profissional em Sustentabilidade junto a Povos e Territórios Tradicionais da Universidade de Brasília (UNB).

Além disso, nas possibilidades e limitações do espaço, os geraizeiros testam formas de garantir a biodiversidade alimentar através do cultivo de sementes milenares, como as sementes crioulas. 

Desse modo, eles garantem a longevidade de suas ancestralidades e possibilitam que diversos gêneros alimentícios não entrem em escassez.

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Autor: Redação - Lupa do Bem
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