Projeto sociocultural de judô pretende levar jovens da Rocinha para as Olimpíadas de Los Angeles

O projeto tem como principal foco ensinar Judô para crianças, jovens e adultos, além de realizar passeios culturais com os alunos

27.10.21

O projeto “Família Judô Renasce Rocinha” com sede no Laboriaux, local situado no alto da favela da Rocinha, Zona Sul do Rio de Janeiro, tem como principal foco ensinar Judô para crianças, jovens e adultos – além de realizar passeios culturais com os alunos. A ação tem mudado a vida de muitas pessoas por aqui.  

Seu fundador é Mauro Souza, 53 anos, é sensei* de 3º Dan, formado em 1995 pela Federação de Judô do Rio de Janeiro e Confederação Brasileira de Judô. Atualmente Mauro também está inscrito na Liga Nacional de Judô do Estado do Rio de Janeiro, na Confederação Rio de Judô e na Liga de Judô do Estado do Rio de Janeiro.

Em uma entrevista, Mauro me contou sobre o projeto que toca com sua família e as razões que motivaram o nome do projeto. Veja mais detalhes a seguir! 

Neuza Nascimento: O que é o Projeto Família Judô Renascer Rocinha?

Mauro: É um projeto fundado por mim e minha esposa, Bianca Martins, no qual realizamos aulas de judô, passeios e visitas a Centros Culturais e instituições de lazer, empréstimos de livros da nossa pequena biblioteca e entrega de Cestas Básicas para as famílias dos alunos que tenham necessidade – que são repassadas para nós através de outras instituições parceiras como a ONG Rocinha Alerta, e Associação de Cultura Arte e Esporte da Rocinha.

Neuza Nascimento: Porque o projeto leva o termo “Familia” no nome?

Mauro: Porque eu e minha esposa construímos o projeto juntos, com o apoio de nossa filha, que também é aluna.

Neuza Nascimento: E voltando um pouco na trajetória, como e quando começou o projeto?

Mauro: Nós iniciamos o projeto num espaço cedido pela Associação de Moradores da Rocinha, em 2019. Por vários motivos, tivemos que sair de lá e ficamos sem espaço para trabalhar. Mas sabíamos que tínhamos que ir em frente, pois todos os alunos nos acompanharam. Então o pai de dois alunos se sensibilizou com a situação e nos emprestou sua varanda para darmos continuidade ao projeto.  Logo depois veio a pandemia e nós tivemos que paralisar tudo. Como eu tive dispensa remunerada do meu trabalho, eu aproveitei e investi meu tempo na construção de um pequeno espaço independente na laje da minha casa e, onde iam ser construídos dois quartos para aumentar a casa, é onde hoje as aulas acontecem. 

Neuza Nascimento:- Quais são os objetivos do projeto?  

Mauro: Levar o esporte olímpico à quem não tem condições de pagar os valores que as academias cobram; preparar atletas com o objetivo de uma futura transferência para equipes maiores, visando voos mais altos para eles; dar oportunidade às crianças de conhecerem espaços fora da comunidade, através de visitas a espaços de cultura e lazer; incentivar o hábito da leitura através de empréstimos de livros. Tudo isso, sempre no intuito de melhorar a qualidade de vida de todos os participantes. 

Neuza Nascimento: O que os motivou a criar esse trabalho?

Mauro: Primeiro, nós gostamos de judô. Mas o que mais nos motivou foi o fato de que aqui na Rocinha tem centenas de academias de Jiu-Jitsu, mas de Judô só umas três. A falta dessa arte aqui me incomodava, então eu quis dar essa oportunidade às pessoas que quisessem aprender esse esporte. Como eu sou professor de Judô, porque não ofertar? E, como eu não pago aluguel separado para manter um espaço para as aulas, como em uma academia tradicional, porque não fazer um projeto social com foco no judô? Foi isso que me motivou.

Neuza Nascimento: Atualmente o projeto conta com quantos beneficiários? E qual a faixa etária deles? 

Mauro: Hoje contamos com 39 atletas, e a faixa etária vai de 3 a 34 anos.

Lupa do Bem: Quais os critérios para um aluno entrar para o projeto?

Mauro: Primeiro, querer fazer judô. Confirmado isso, a pessoa assiste. Se gostar, traz a documentação necessária, de acordo com a idade, e pode começar. 

Neuza Nascimento: Existe uma equipe para dar suporte? Se existe, ela é remunerada?

Mauro: Sim, somos quatro. Eu, no cargo de Coordenador e Professor responsável, coordeno, ministro e oriento as aulas, planejo eventos, palestras, e competições; Bianca, faixa verde, é monitora e coordena a parte administrativa, de comunicação e a parte sociocultural; Ivan Cândido, faixa marrom, Instrutor, auxilia e dá aulas para as turmas infanto-juvenis, é também técnico e treinador da equipe de competições; e  minha filha fica no apoio. Todos nós somos voluntários, mas o instrutor recebe R$100 mensais, como ajuda de custo. Essa quantia é depositada por mim numa poupança e se destina a, quando chegar a hora, ele poder pagar pelo exame de faixa preta, pois é caro para as posses dele. Esse dinheiro é conseguido através das contribuições mensais de alunos que podem contribuir financeiramente. Às vezes os alunos colaboram com R$30 ou com R$5, mas quem não pode pagar, não paga nada. O que sobra do que é arrecadado é usado para comprar lanche para as crianças, que é servido no final de cada aula; comprar material de higiene e limpeza, tinta de impressora e outros itens que se faz necessário no dia a dia.  

Neuza Nascimento: Quais seus maiores desafios

Mauro: O maior desafio foi construir esse espaço, que ainda não está pronto e outro desafio, ainda hoje, é manter as crianças e os jovens dentro do projeto.  

Neuza Nascimento: E vitórias?

Mauro: A maior vitória para mim é o sucesso do projeto dentro da comunidade. Quanto mais alunos entram e permanecem, focados na arte marcial, mais feliz eu fico. Ensinamos a disciplina oriental que é respeitar os mais velhos, existe uma hierarquia, inclusive entre eles, essa hierarquia é de acordo com as cores das faixas. Isso eles vão levar para a vida inteira. Mas só ver a academia cheia para mim já é uma vitória. Eu comecei com seis alunos e hoje tenho quase 40. Isso é uma vitória. Quer dizer que o projeto foi bem aceito. É uma vitória também quando eu vejo que os alunos estão aprendendo tudo que é passado para eles. Ver a evolução esportiva e social do aluno é muito gratificante.

Neuza Nascimento: Como ocorre o desenvolvimento do aluno através das faixas?

Mauro: Começa com a faixa branca, passa para a cinza e seguida vem: azul, amarela, laranja, verde, roxa, marrom e preta. O judô como um todo tem outras cores, mas no Renascer vamos somente até a preta.

Neuza Nascimento: Quais as necessidades do projeto, em geral?

Mauro: Uma das necessidades mais urgentes é fazer uma cobertura na laje, dar um reforço, pois quando chove atrapalha um pouco as aulas. No auge da pandemia meu patrão me deu licença remunerada, eu e minha esposa trabalhamos fora, então eu aproveitei o tempo que fiquei em casa e  usei parte do meu salário e construí esse dojô devagar. Mas ainda faltam muitas coisas. Precisamos colocar janelas, tatames, e é necessário fazer uma pequena cobertura onde os pais ficam esperando o término das aulas. Precisamos também de judoguis (uniforme de treino), lanches para os alunos e itens para compormos cestas básicas para continuar apoiando os pais e incentivando os familiares a trazer as crianças. Outra necessidade do projeto são recursos financeiros para custear despesas, tais como inscrição anual dos atletas na Liga de Judô e transporte para eventos esportivos ou culturais. O dinheiro arrecadado com as mensalidades não chega a cobrir tudo isso.

Neuza Nascimento: Vocês conseguiram continuar em ação durante o auge da pandemia? 

Mauro: Paramos em março de 2020, que foi o pico, foi quando comecei a obra. Voltamos em agosto, com um número de alunos limitado, cumprindo as normas de segurança. Fomos fundamentais nesse período. Conseguimos ministrar as aulas e continuamos com a distribuindo cestas básicas, pois nosso apoio às famílias era muito importante naquele momento.

Neuza Nascimento: Alguma expectativa para o futuro?

Mauro: Estamos desenhando um projeto para as Olimpíadas de Los Angeles, quero formar ao menos um. Se eu conseguir criar um, já fico satisfeito. Não para mim, aqui é só o embrião, a ideia é levar para um clube grande, apresentá-lo, e de lá ele vai pro mundo. Se eu conseguir um, considerarei feito meu trabalho de uma vida. Se eu conseguir mais de um, melhor ainda.

Neuza Nascimento: Gostaria de acrescentar mais alguma informação?

Mauro: Não só as artes marciais, mas eu acho que o esporte em geral deveria estar aberto para todas as crianças, em especial para as crianças da comunidade, que são tão excluídas. Isso tira o foco da rua, do não fazer nada. Aqui eles estão ocupados. O judô não é só arte marcial. Seu criador, Jigoro Kano sempre dizia que o judô é mais que uma luta, é uma filosofia. Por ser um esporte olímpico, é muito caro manter essa modalidade, as aulas são caras, as roupas são caras. 90% dos alunos usam os Kimonos do próprio projeto, que são emprestados até terem condições de comprar um próprio. 

Depoimentos de alunos e parentes:

“Depois que o Arthur entrou para o projeto, ele melhorou muito. Ele é uma criança mais ativa, e como não dava pra ir pra escola ele ficava sempre em casa vendo televisão ou no celular. Como ele é filho único, estava sempre parado” – Maria José Soares, avó do aluno Arthur Soares de 8 anos.

O judô representa quase tudo pra mim. Me sinto em casa, é como se fosse uma família mesmo.  O judô mudou minha parte física e mental. Me ajudou na escola, porque eu era muito retraída e não falava com as pessoas, e com o judô eu comecei a me soltar e fazer novas amizades.” – Aline, aluna, 13 anos. 

O judô é um tipo de ataque e defesa, tanto na rua como no dojô. Ensina a respeitar os pais e a ser elegante dentro e fora do dojô. Antigamente eu brigava muito na escola, depois que eu passei a fazer Judô, tudo mudou.” – Maria Clara, aluna, 11 anos. 

*(Sensei é um termo usado como título honroso para tratar com respeito um professor ou um mestre dentro do Judô) 

Gostou do projeto? 

Para fazer doações de materiais entre em contato com: maurex1313@yahoo.com.br 

Para contribuir: Pix  (21) 99271-6746

Facebook: Família Renasce Rocinha 

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Neuza Nascimento
Após ser empregada doméstica por mais de 40 anos, Neuza fundou e dirigiu a ONG CIACAC durante 15 anos. Hoje é estudante de Jornalismo e trabalha com escrita criativa, pesquisa de campo e transcrições. No Lupa do Bem, é responsável por trazer reflexões e histórias de organizações de diferentes partes do Brasil para a "Coluna da Neuza".
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