Menstruação sem tabu: Instituto Rebbú alia dignidade menstrual, sustentabilidade e empreendedorismo em Manaus (AM)

Combate à pobreza menstrual envolve saúde, acesso aos absorventes ecológicos e desenvolvimento comunitário

27.09.23

A menstruação é um processo fisiológico ligado ao ciclo reprodutivo de pessoas com útero que ocorre mensalmente e dura, em média, 37 anos e meio. A maneira como uma pessoa que menstrua viverá esse processo, contudo, nem sempre será de forma digna. Muitas delas são privadas de suas atividades cotidianas porque não têm acesso a produtos de higiene adequados

Quando se fala em dignidade menstrual, portanto, a primeira ideia que vem à cabeça é garantir a distribuição gratuita de absorventes descartáveis. Se por um lado, isso resolve um problema social, por outro, aumenta a produção de lixo e a degradação ambiental. Uma pessoa que menstrua utiliza em média 7 mil absorventes descartáveis durante a vida. Poucos países no mundo, no entanto, reciclam absorventes e grande parte desse lixo é descartado em lixões ou direto nas águas, poluindo rios e mares. 

No Brasil, por exemplo, apenas 4% de todos os resíduos sólidos produzidos no país são reciclados, e isso não inclui os absorventes. Considerando que a menstruação atinge metade da população do país, os números ligados ao descarte desse material são alarmantes. Assim, diante da invisibilidade do problema e da falta de políticas públicas voltadas para mulheres, Juliana Gonçalves e Emile Gomes fundaram o Instituto Rebbú, de combate à pobreza e desigualdade de gênero, em Manaus, Amazonas.

Imagem: reprodução. 

Instituto Rebbú e o combate à pobreza menstrual

Juliana Gonçalves e Emile Gomes desenvolviam um trabalho de impacto social e ambiental em comunidades periféricas de Manaus quando perceberam que as pessoas tinham vergonha de falar que precisavam de absorventes: “Fizemos uma primeira arrecadação e conseguimos 1.500 pacotes, mas entramos em desespero porque no mês seguinte sabíamos que elas voltariam novamente a nos procurar… E foi o que aconteceu!”, recorda-se.

Para Juliana, o número excessivo de absorventes necessários para prover a dignidade menstrual, além de ser insustentável do ponto de vista ambiental, também limitava o alcance da distribuição. Daí surgiu a ideia de produzir e distribuir absorventes ecológicos na própria comunidade. 

Em ação desde 2022, o projeto já capacitou 77 costureiras e costureiros. Esse processo é feito pelo Instituto Rebbú em parceria com as comunidades atendidas, desde as oficinas até a distribuição dos absorventes às pessoas em situação de vulnerabilidade. Cada pessoa recebe um kit com três absorventes ecológicos, quantidade considerada suficiente para um fluxo moderado: 

“Em geral, a pessoa costuma usar dois absorventes ecológicos durante o dia e um à noite, então precisa ir sempre lavando e revezando”, diz Juliana. Os absorventes têm uma durabilidade média de três anos. A ação do Instituto Rebbú foi tão revolucionária que ficou entre os três finalistas do Prêmio LED, de incentivo a projetos inovadores, promovido pela Rede Globo e a Fundação Roberto Marinho. 

Como resultado, o Instituto Rebbú ampliou sua atuação e vem fazendo parcerias em vários outros estados do país, do Norte ao Sudeste. “A nossa missão é levar conhecimento e poder de escolha para as pessoas que menstruam. Que elas saibam os impactos ambientais que os absorventes descartáveis geram, saibam que existem outras possibilidades para receber a menstruação e que elas possam escolher”, afirma. 

Acesso aos absorventes ecológicos

O absorvente descartável foi criado no final do século XIX, na Alemanha. Antes disso, as mulheres de várias épocas e regiões do mundo costumavam utilizar o tradicional paninho, feito geralmente de algodão, para receber a menstruação. O marketing agressivo usado para promover o absorvente descartável, no entanto, passou a associar o novo produto com noções de modernidade, higiene e conforto. 

Segundo Juliana, isso levou a uma mudança no comportamento das mulheres, que passaram a encarar o paninho de maneira negativa, visto como anti-higiênico e um produto de quem não têm recursos para adquirir algo melhor. “Usar o absorvente descartável virou uma questão de status”, explica. Mesmo assim, ela lembra que ainda há uma grande quantidade de pessoas em situação de vulnerabilidade que sequer utilizam o paninho e acabam recorrendo a camisetas velhas, miolo de pão ou então que ficam dias em casa deitadas para conter o fluxo menstrual. 

Engana-se, contudo, quem pensa que os absorventes ecológicos são uma versão renovada dos paninhos. Ainda que sejam feitos de algodão, trata-se de um novo produto, contemporâneo, com formato fino e anatômico, e capacidade para conter fluxos intensos graças a uma tecnologia inovadora. “A camada externa é feita 100% de algodão, então é hipoalergênico e confortável. Já na parte interna usamos um tecido impermeável para evitar vazamentos”, explica Juliana. 

Os absorventes ecológicos, porém, ainda são pouco conhecidos do público em geral. As grandes empresas de produtos descartáveis continuam investindo pesado na publicidade, definindo a cultura de consumo. O foco são as meninas que estão passando pela menarca, ou seja, que têm por volta de 12 anos de idade e que logo vão começar a menstruar. A educação menstrual, portanto, mostra-se fundamental para apontar outras possibilidades:

“Quando a menina começa a usar um absorvente descartável porque viu uma influencer no Tiktok fazendo propaganda, é mais difícil mudar aquele comportamento, mas é isso que estamos tentando fazer. Hoje, com a questão ambiental, moderno é preservar, é não descartar!”, defende. 

Juliana Gonçalves, co-fundadora do Instituto Rebbú. Imagem: reprodução.

Menstruação sem tabu 

Além da poluição do meio ambiente, o plástico utilizado na fabricação dos absorventes descartáveis também pode prejudicar a saúde de quem o utiliza. Faltam pesquisas sobre como o uso contínuo de absorventes descartáveis impacta o corpo, porém, já há diversas evidências de que o plástico afeta a saúde de pessoas e animais. 

Estudos vêm indicando, por exemplo, que o simples tocar em uma sacolinha de plástico durante anos a fio leva a desequilíbrios hormonais e cuja causa passa despercebida. Além disso, é consenso que o plástico abafa e esquenta a pélvis, aumentando o risco de alergias e inflamações na região. 

Para Juliana Gonçalves, co-fundadora do Instituto Rebbú, isso demonstra que o debate sobre dignidade menstrual precisa avançar: “Nunca ouvi um médico falar que absorventes descartáveis geram problemas de saúde, mas ao mesmo tempo, eles afirmam que precisamos usar calcinhas de algodão para não ter infecções”, alerta. 

Segundo ela, o tema tem encontrado espaço no campo da psicologia, que trata a pobreza menstrual a partir da saúde mental; no campo jurídico, cujo acesso tem sido discutido a partir do tampon tax, que é o valor tributário sobre os absorventes descartáveis; e no campo da sustentabilidade, que vem discutindo o impacto do plástico na saúde e no meio ambiente.

Por uma política de gênero

A ONU reconheceu o direito das mulheres à dignidade menstrual em 2014, apontando a necessidade dos países implementarem políticas nacionais de combate à pobreza menstrual. No Brasil, a Lei Federal n. 14.214, de 2021, instituiu o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. O presidente na época, Jair Bolsonaro, no entanto, vetou todos os artigos que garantiam a distribuição gratuita de absorventes, deixando apenas o artigo ligado às ações de campanha.   

Na esteira dos vetos, o governador de São Paulo na ocasião, João Dória, sancionou alguns meses depois a Lei Estadual n. 17.525, de 2022, que instituiu o Programa Dignidade Íntima, de promoção da saúde e bem-estar das alunas da rede pública estadual de ensino. São Paulo tornou-se assim o primeiro estado a implementar um programa de combate à pobreza menstrual no Brasil.

Em março de 2023, o tema voltou a ser debatido no âmbito federal e o atual presidente Lula anunciou o Decreto N. 11.432, garantindo finalmente a distribuição gratuita de absorventes descartáveis em todo território nacional, beneficiando estudantes de baixa renda, mulheres em situação de rua ou inseridas no sistema prisional, entre outras. 

Juliana lembra, contudo, que o combate à pobreza menstrual não se restringe apenas à distribuição dos produtos: “Trata-se de uma questão complexa que envolve saneamento básico, infraestrutura, como acesso a banheiros seguros, e o direito à diversidade sexual”, finaliza.

Imagem: reprodução.

Quer apoiar essa causa?

O Instituto Rebbú está fazendo uma campanha de combate à pobreza menstrual no Norte e Nordeste. Para contribuir, clique aqui!

Também é possível ler e assinar o manifesto sobre combate à pobreza menstrual aqui

Para maiores informações, visite o site do Instituto Rebbú ou siga as redes sociais no Instagram e Linkedin

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Maira Carvalho
Jornalista e Antropóloga, Maíra é responsável pela reportagem e por escrever as matérias do Lupa do Bem.
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