Nina da Hora: a voz da mudança na ciência da computação brasileira

A cientista da computação Nina da Hora, ainda muito jovem, é considerada voz necessária sobre os avanços tecnológicos no país

22.11.21

Crédito: Divulgação

Por: Renato Silva / Lupa do Bem – Favela em Pauta

Apresentada quase sempre como hacker antirracista, Ana Carolina da Hora – ou Nina da Hora, como é conhecida – é, aos 26 anos, uma das maiores referências quando o assunto é pesquisa em tecnologia no BrasilCientista da computação, pesquisadora, podcaster, estudante e crítica de temas relacionados à Inteligência Artificial, recentemente passou a integrar a Comissão de Transparência das Eleições, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Nina dá preferência ao diálogo entre diferentes áreas e afirma que “a melhor definição de mim, é quando eu não preciso dar uma definição fechada para o que eu sou”.

Ela ocupa hoje outras cadeiras também importantes: é pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (CTS-FGV), colunista da revista MIT Technology Review, do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e integrante do Conselho de Segurança da rede social TikTok.

Seja pela aversão a definições fechadas, ou pelo anseio por transformações sociais, a palavra mais corriqueira de Nina em entrevista é “mudança”. Ela conta que a ciência da computação passou a estar em sua vida através da curiosidade, por tudo o que viu na TV, nos aparelhos que desmontava, ou mesmo quando se dava conta de que a tecnologia que via na escola, com amigos e na TV não era acessível.

[A ciência da computação] entrou na minha vida de uma forma muito crítica. Sempre que eu tinha qualquer contato com a tecnologia, isso me gerava um questionamento. Eu fazia as perguntas em casa. Muitas vezes, a minha mãe não sabia responder, mas ela me devolvia reflexões que eu ia levando, tentando pesquisar, tentando descobrir, e foi assim”, conta.

A mãe, professora, foi importante para potencializar o perfil curioso, de quem questiona e quer entender os porquês, principalmente através da leitura. “Como eu venho de uma família de professoras, os livros sempre estiveram muito perto do meu dia-a-dia. Desde pequena, eu tive a oportunidade de fazer leituras que eu podia questionar em casa sobre elas. A minha mãe é professora de português e literatura. Então, tinha muitos livros de literatura em casa, e eu me interessava em ler só por curiosidade”, relata.

Foi em casa que a cientista encontrou referências para aprender a debater, ouvir e respeitar as falas de seus debatedores. “Às vezes, a galera me vê debatendo nas redes sociais e acha que é só paciência, e não é só isso. Mas principalmente por conta da relação que eu tive em casa, de que ‘olha independente se você concorda ou não, você vai ouvindo para você construir o seu contraponto’. Se a gente sempre assumir que vamos ouvir para responder, não vamos conseguir ouvir nunca”, pontua Nina.

É da família também que vem a base para transformar o mundo ao redor, seja com um diálogo real, seja pela visão de mundo em que as mulheres precisam estar em todos os espaços, sobretudo os de liderança, ou mesmo pela leveza e alegria com que leva a vida. “Eu não consigo fazer nada na minha vida sem sorrir. Para isso acontecer é porque já não vai ser mais eu. Desde criança eu olho para as coisas e tento entender tudo com muita alegria. Existem pessoas que dizem que o amor move, no meu caso o que me move é a alegria”, conta a sorridente cientista.

Projetos e direcionamento

Se no ofício de pesquisadora e hacker antirracista recorre às redes sociais para promover reflexões, críticas e debates, com visão apurada a detalhes de novas tecnologias, nos projetos pessoais paralelos, a cientista desenvolve iniciativas que também espalham saberes e conhecimentos ao seu público e a quem puder se interessar.

No Ogunhê, podcast de nome que Nina buscou na religião autorização para iniciar, ela criou uma plataforma para apresentar cientistas do continente africano por meio de jogos e narrativas interativas. Em cada episódio, acontece um mergulho na história de algum cientista da África, a exemplo do que fez neste episódio com a matemática, professora e doutora Grace Alele-Williams.

A cientista se preocupa em explicar detalhadamente o nome do podcast e a influência dele. “O nome Ogunhê, é uma saudação ao orixá Ogum, tido como orixá da guerra, dos caminhos e da tecnologia nas religiões de matrizes africanas. Eu pedi a permissão, para entender se eu poderia utilizar o nome para fazer de uma forma que não se tornasse pejorativa. Então, eu demoro a divulgar os episódios para as pessoas entenderem que não é no meu tempo e nem no tempo delas, é no tempo que o caminho está permitindo que seja”, explica.

Há ainda outra iniciativa com ares de semelhança, mas com um quê de interatividade a mais: o Clubinho da Hora, que consiste em uma série de lives organizadas pela cientista no Instagram, criando um espaço de interdisciplinaridade e reflexão único. 

Nas lives, realizadas aos domingos, às 15h, Nina lê, comenta e reflete sobre temas, livros e leituras diversas a respeito da computação ou áreas correlatas.

Em comum, nesses e em outros projetos de Nina, é possível identificar um pensamento coletivo, de espalhar e ouvir saberes em espaços cada vez mais diversos. Em relação à coletividade, ela relata ser algo que percebeu em si, junto à família, sempre preocupada em como seus atos afetariam as pessoas da casa. 

Contudo, a reflexão sobre coletividade aprofunda: Nina é contra a ideia de existir um “topo”, porque reforça a lógica da desigualdade, onde para haver topo, alguém precisa estar na base desigual. “Esse senso de coletividade, para mim, é quando a gente percebe que não podemos fazer parte dessa desigualdade”, acrescenta.

A mudança

Apesar da aversão às definições fechadas, um termo que acompanha a pesquisadora é o de hacker antirracista que, segundo ela, a definição pode ser por discordar com o sistema posto no mundo. “Eu não sei dizer quando passei a me entender como uma [hacker antirracista]. Acho que é uma mistura de experiências”, comenta.

Quem segue Nina nas redes, pode vê-la comentando sobre as tomadas de decisão no mundo, seja no ambiente político, social ou tecnológico. Ela acredita que as coisas não podem mais ser feitas às escondidas. “As decisões na tecnologia, na política, no mundo são tomadas a portas fechadas. Eu sempre achei isso contraditório na democracia”, diz.

Por fim, a pesquisadora considera que o caminho para uma mudança desejada está na inclusão de pessoas negras e de diferentes núcleos sociais, para que a diversidade possa ser absorvida pelo debate da tecnologia e, dessa forma, dar resultado.

“O debate público pode contribuir para a educação digital também. Muitas vezes, as pessoas acham que elas não estão aptas a debater sobre temas da tecnologia por não estarem em cursos, empresas ou universidades. A meu ver, as pessoas que não estão nestes lugares são as mais importantes para o debate, pois elas percebem as nuances tecnológicas diariamente”, conclui.

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Autor: Redação - Lupa do Bem
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