“Olinda Negra” faz revolução no turismo pernambucano ao valorizar historiografia negra
Ao som das canções do Afoxé Alafin Oyó, iniciativa destaca o protagonismo de artistas pretos, religiosidade afro e luta por direitos no Centro Histórico de Olinda (PE)
Crédito: Divulgação
Por: Kauana Portugal – Lupa do Bem / Favela em Pauta
É nas ladeiras de Olinda, cidade considerada Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade pela Unesco, que a iniciativa “Olinda Negra” tem reinventado o conceito de turismo em Pernambuco. O projeto, que há um ano e meio realiza roteiros afrocentrados em um dos conjuntos arquitetônicos mais conhecidos do mundo, é pensado – e executado – por quatro jovens pretos: Alexsandro Batista, Camila Góes, Mirela Cavalcanti e Rilson Bernardo de Sena. Todos ligados, de uma forma ou de outra, com a Associação Recreativa Carnavalesca Afoxé Alafin Oyó.
Ao som de músicas cantadas e agogôs, no Centro Histórico, os interessados percorrem cerca de 3 km das ladeiras, descortinando causos e conhecendo personalidades esquecidas pelo tempo. Ou melhor, invisibilizadas por perspectivas históricas embranquecidas.
Nesse sentido, artistas locais são convidados de honra durante o percurso, que dura em média três horas. Para Rilson, nutricionista, co-fundador e condutor da caminhada, trata-se de um esforço para “conectar o passado ao presente” da cidade.
O passeio busca também desconstruir a ideia de que Olinda seria composta exclusivamente por igrejas católicas, ao revelar percursos importantes para religiosidade afro e a milenar resistência de populações não brancas por liberdade e direitos.
Um roteiro cheio de significados na histórica Olinda
“A construção do roteiro vem do entrelaçamento da história da Olinda com a história do Afoxé Alafin Oyó, percorrendo, inclusive, espaços onde há marcas do preconceito racial enfrentado pelo grupo”, explica a pedagoga Mirela, co-fundadora do projeto e uma das condutoras do passeio.
Nas ladeiras do Mercado da Ribeira, por exemplo, é discutido o antigo comércio de pessoas escravizadas e a ressignificação do espaço a partir da ocupação de artistas negros contemporâneos.
Além disso, endereços onde personalidades negras ilustres vivem ou viveram são paradas obrigatórias. O endereço do músico Benedito da Macuca, na conhecida Rua do Amparo, é um destes momentos, considerados mágicos, promovidos pela caminhada. Com sorte, os participantes conseguem flagrar Seu Benedito, famoso pelo frevo sanfonado, na frente da residência.
A escadaria por onde passava Mário Raposo, o conhecido Lord de Olinda, também é outro ponto emocionante. O elegante carnavalesco, famoso por desfilar usando um fraque no domingo de carnaval, ficou eternizado na figura do primeiro boneco gigante preto da festa.
Movimento Black Money
Nas redes sociais, os relatos de quem participa da caminhada Olinda Negra ajudam a entender a relavância do projeto, que tem conectado histórias à ancestralidade e ampliado o horizonte turístico do estado, além de promover o debate antirracista. Apesar disso, os organizadores da iniciativa relatam as dificuldades em consolidar uma rede de profissionais negros que consiga acolher o público do projeto.
“A cada caminhada, ver a reação das pessoas, o olhar do desconhecimento transformado em emoção, tem sido muito potente”, relata um dos co-fundadores e condutor da caminhada, o bailarino e professor Alexsandro.
Ainda assim, é consenso entre a equipe o problema enfrentado em decorrência da ausência de comerciantes negros para fomentar o movimento “Black Money” em Olinda. Na teoria, o ideal seria fazer circular recursos financeiros nas mãos de empresários e empreendedores pretos.
O valor alto dos aluguéis no Centro Histórico de Olinda, localização onde há o maior fluxo de turistas na cidade, ajuda a entender o porquê de as propriedades estarem quase que exclusivamente nas mãos de pessoas brancas de classe média alta.
Mesmo assim, o esforço para tornar aqueles que produzem cultura em protagonistas já traz resultados. A casa Axé de Fala, por exemplo, um estabelecimento comercial que produz e revende a tradicional bebida axé, de origem afro-indígena, tornou-se parada obrigatória durante a caminhada. “E assim a rede se fortalece”, complementa Mirela.
Caminhada com data marcada
O roteiro de afroturismo promovido pela Olinda Negra acontece duas ou três vezes por mês, a depender da disponibilidade dos condutores. Com ingressos que variam de R$ 40,00 para pernambucanos a R$ 60,00 para estrangeiros. A quantia pode ser paga pelo PIX ou por cartão de crédito. No caso de crianças com até 12 anos, acompanhadas dos pais ou responsáveis, a participação é gratuita. Para participar e conhecer as datas dos passeios, é só acessar o perfil no Instagram @olindanegra.
Intercâmbio afroturístico e resistência negra do Afoxé Alafin Oyó em PE
A Olinda Negra conta com o apoio da plataforma afroturística Guia Negro, idealizada e executada por Guilherme Soares Dias, jornalista e escritor. As conversas que deram início ao projeto começaram ainda durante a pandemia da Covid-19, pela internet, e transbordaram para o regime presencial quando os brasileiros receberam as doses da vacina. Para acompanhar os projetos do Guia Negro, procure @guianegro nas redes sociais.
Já o Afoxé Alafin Oyó, pedra fundamental da iniciativa, desfila pelas ruas de Olinda com as cores vermelho e branco há 36 anos. O som envolve, junto às letras que abordam lutas, religiosidade e esperança do povo negro, além de um balé que emociona. A entidade é considerada um dos principais aportes do movimento negro pernambucano e ainda hoje realiza atividades de interesse social e incentivo à cultura. Para conhecer e acompanhar o Afoxé, siga @alafineusou.