Palmares Laboratório-Ação: as vozes da periferia na Amazônia

Do Zumbi, em Manaus, a Palmares Laboratório-Ação representa as demandas das juventudes periféricas amazônidas

15.12.22

Crédito: Divulgação

Por: Nicoly Ambrosio – Lupa do Bem / Favela em Pauta

Criada na periferia de Manaus, a Palmares Laboratório-Ação é fruto de um movimento de – pelo menos – sete anos liderado pela ativista e pesquisadora amazonense Vitória Pinheiro. Iniciada no ativismo social e climático a partir das suas vivências no bairro do Zumbi dos Palmares, zona leste da cidade, a jovem é diretora executiva da organização e a define como um projeto que “pensa e cria soluções para a justiça social e defende políticas públicas para as juventudes periféricas de todo o país”.

As agendas da Palmares estabelecem, principalmente, a demanda por representatividade de corpos trans, negros, indígenas e periféricos em contextos de tomadas de decisão. “Nós, pessoas pretas e periféricas, estamos cientes das lutas que nos perpassam e eu quero mostrar para as pessoas como elas podem fazer algo por si próprias. A gente não precisa depender de governantes que nunca estiveram nem aí. A demanda por políticas públicas pode ser de forma comunitária”, diz Vitória.

Para Jean Ferreira, membro atuante na Palmares, o trabalho em coletivo coopera na luta contra as desigualdades. “Quanto mais avançamos dentro de uma agenda global, mais aumenta a nossa necessidade de atuação em nosso próprio território, passamos automaticamente a sermos representantes, espelhos. Mesmo que isso seja muita responsabilidade, compreendemos e tentamos criar novos projetos que priorizem a participação dos nossos”, conclui.

O Laboratório-Ação é um termo cunhado, segundo Vitória, como forma de designar um espaço onde se produzem dados e conhecimentos que futuramente serão transformados em ações sociais.

“A gente é ação porque queremos que isso retorne para os lugares de onde viemos e trabalhamos, porque esses são lugares que precisam da geração de conhecimento e sobretudo de uma ação a partir desse conhecimento”, afirma.

Periferia no poder

As iniciativas da Palmares focam na geração de renda para as juventudes periféricas amazônidas, e hoje a organização desenvolve por meio da fintech Digna um trabalho para juventudes negras, LGBTs e imigrantes.

Outro ponto central do trabalho do Lab é a agenda de mudanças climáticas e justiça ambiental, tema que impacta diretamente as juventudes amazônidas, uma vez que essas populações sofrem historicamente com as faltas de políticas públicas sustentáveis.

“É nas cidades onde a gente vai sentir mais essas mudanças e são exatamente esses grupos de crianças, jovens e mulheres da periferia que vão ser mais expostos a essas consequências, justamente por já viverem em situações de desigualdade”, afirma Vitória. “E quando a gente fala de desigualdade, a gente fala da falta de acesso a serviços básicos que se referem à cidadania, como educação, saúde, alimentação, mas principalmente o direito a um ambiente seguro para que esse desenvolvimento possa acontecer”, finaliza.

A ativista é a única nomeação brasileira ao Ponto Focal da Organização das Nações Unidas (ONU) para 2022. Negra, periférica e travesti, Vitória representa as crianças e jovens da América Latina e Caribe.

Ela tem como missão participar de grupos e mobilizações na Constituinte de Crianças e Juventudes em Comunidades Sustentáveis, um mecanismo formal da ONU que atua na implementação de medidas de avanço dos objetivos da Agenda de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e da Nova Agenda Urbana na região Norte do Brasil.

Como função, o Ponto Focal é coordenar a atuação de grupos e coletivos que trabalham com iniciativas que promovem atividades para crianças e jovens. O trabalho de Vitória tem o objetivo de inserir essa população em espaços de decisões políticas importantes, que podem impactar as comunidades, já desenvolvido por meio da Palmares Laboratório-Ação.

Palmares na COP 27

Pela primeira vez, a Palmares conseguiu formar uma delegação a fim do credenciamento para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, COP 27.

Esta também foi a primeira COP em continente africano, realizada na cidade de Sharm El Sheikh, no Egito. Apesar de ser um marco para a atuação dos jovens ativistas, o acesso foi dificultoso, conforme relata Vitória.

Integrantes da Palmares encontram a deputada federal eleita Marina Silva (REDE-SP) na COP27, em Sharm El Sheikh, Egito. Marina é, entre muitas coisas, ambientalista.

“Tivemos muitas dificuldades que foram inerentes a essa edição, primeiro porque essa COP teve uma presença muito forte dos lobistas do petróleo e gás natural, uma ação que está acontecendo exatamente ali naquela área do Egito”, denuncia. “Esse ano tivemos menos participação da sociedade civil e o Brasil levou menos gente que da última vez, porque muitos não conseguiram se credenciar para o evento com parceiros internacionais”.

Apesar disso, a delegação da Palmares acabou surgindo como uma resposta à dificuldade das juventudes amazônicas acessarem o evento. “Isso reflete na forma como somos impactados economicamente e socialmente”, diz a ativista.

Para além das dificuldades, a participação frutífera da Palmares na COP gerou diálogos que demandam a criação de um conselho de juventude na região norte, com o objetivo de que essas pessoas sejam incluídas nas tomadas de decisões da região.

Outro ponto positivo da participação da organização foi uma carta elaborada com outras organizações de jovens ativistas pelo clima. O documento foi entregue ao governador do Pará, Helder Barbalho, em nome do Consórcio Interestadual da Amazônia.

“Esse empenho de todes, que são sete pessoas, foi fundamental para que a nossa atuação durante o evento fosse significativa para nosso retorno e para nossos estados. Voltamos com mais projetos e mais vontade de abrir caminho para quem ainda não conseguiu acessar esses espaços. Hoje, a Palmares, junto com as organizações dos integrantes, como Coletivo Miri e Gueto Hub, também criam projetos de alternativa ao que está posto e que às vezes só serve ao interesse do capital, e não das pessoas”, diz Jean, um dos membros da Palmares que foi a COP 27.

Próximos passos

Para o primeiro semestre do ano que vem, a Palmares pretende organizar quatro eventos satélites mostrando suas iniciativas e como estão produzindo dados. “Queremos que as pessoas saibam o que esses dados estão gerando para os territórios onde trabalhamos, em termos de solução para avançar a justiça social para os nossos”, projeta Vitória.

A organização busca financiamento para manter seus projetos e pretende expandir para continuar trabalhando e implementando soluções em políticas públicas.

“Nosso trabalho está rendendo muitos frutos e neste primeiro semestre em Manaus estaremos cumprindo várias agendas que marcam o lançamento da nossa atuação”, finaliza.

É possível acompanhar e contribuir com o projeto através do perfil no Instagram, no @palmares.

    Mídia Índia
    Mídia Índia
    Localização
    Contato
    Apoio
Autor: Redação - Lupa do Bem
Compartilhar:
Notícias relacionadas