“Pavulagem, os seres encantados da floresta”: uma missão amazônida de resgate da oralidade sagrada através do podcast

Crédito: Divulgação

Por: Renato Silva – Lupa do Bem / Favela em Pauta

Era fim de junho de 2022 quando a misteriosa voz de Maickson Serrão pediu licença pela primeira vez na podosfera, para estrear “Pavulagem, os seres encantados da floresta”. 

Como o título diz, o podcast encabeçado pelo jornalista da Vila de Boim, às margens do Rio Tapajós, na Amazônia Paraense, tem a missão de fazer as Histórias (isso, com ‘H’ maiúsculo mesmo) dos povos amazônicos aparecerem para um Brasil que mais se apetece por contos estrangeiros.

Após pedir licença, pisar a mata, são o zoar, o zunir, coaxar, bramir e assobiar dos animais da floresta que auxiliam Maickson a levar o ouvinte por um passeio intimista, à luz do candeeiro e ao escuro da floresta. Lá é possível conhecer os verdadeiros contos sobre a Curupira, a mãe da mata; Taú, o pássaro que come gente; Macaca Guariba; Ingereda e outros mais.

 A temporada conta com 12 episódios, que têm a participação de contadores de histórias, originais da Amazônia, sem a influência colonizadora de quem vai até lá e conta as mesmas histórias, cheias de vieses de mercado, corrompendo as histórias sagradas dos povos da região. 

Crescido em uma comunidade sem energia elétrica, com poucos vizinhos que possuíam aparelhos de TV e geradores de energia, Maickson conta que, além de entretenimento, ouvir essas histórias representa uma herança ancestral e que ela corre risco. “Eu percebi que muitos contadores estavam morrendo e levando consigo essa bagagem. Aí veio a pandemia e só reforçou essa urgência de fazer esse resgate, essa catalogação e, de certa forma, ampliação dessas vozes através do podcast. A ideia era também contar sobre a Amazônia a partir de quem vive nela”, comenta sobre a necessidade de levar essas histórias para o mundo dos podcasts.

O valor da oralidade para o Pavulagem e o momento ideal de publicar

Ao enxergar no serviço streaming de áudio o lugar certo para tornar a contação de histórias popular no meio digital, Maickson resgata não só  as histórias, mas a arte de encantar com a palavra falada. “O podcast em si ficou muito rico por toda essa potencialidade que é a contação de histórias na Amazônia e também porque cada voz de cada contador tem sua peculiaridade, o que deixa muito mais bonita a narrativa, a forma como cada um conta, o jeito, a questão do sotaque também. Então isso tudo é muito rico”, acrescenta.

Feliz ao descobrir o podcast Pavulagem, Maya Tupinambá, comunicadora indígena, natural de Manaus e radicada no nordeste brasileiro,  conta que a sensação de proximidade foi automática. “Ao escutar alguns episódios dos encantados, me veio o sentimento de infância, fiquei emocionada. Me fez voltar ao meu eu criança. Quando os meus mais velhos voltavam da pescaria, da caça, sobre os cuidados que a gente deve ter com os encantados, do respeito, de pedir licença sempre. Os episódios me trouxeram isso, com os mais velhos falando, eu me senti ao redor de uma fogueira, deitada numa rede e ouvindo sobre os encantados ali”, relatou a profissional.

Sobre isso, o responsável pela pesquisa, criação e apresentação relata ainda que é comum sentir nas pessoas essa volta ao passado. “Eu acho que isso não tem dinheiro que pague, essa questão da memória afetiva muito forte que o Pavulagem tem gerado nas pessoas. Isso é o nosso maior ganho enquanto equipe, enquanto trabalho de quem tá por trás do Pavulagem”, diz.

2022 de sucesso e sonho de multiplicação

O podcast Pavulagem obtém a chancela de ser um original Spotify, através do programa Sound Up Brasil. O objetivo desse programa é diversificar as vozes no espaço de áudio ao fornecer oportunidades educacionais, recursos e acesso a especialistas do setor aos participantes para construir e estabelecer carreiras em podcasting e para que suas ideias de conteúdo se tornem programas de sucesso no universo do áudio.

Em 2022, o produto foi relacionado entre os 10 melhores novos podcasts do ano, além de ter sido a quarta voz mais ouvida no dia do lançamento. Marcos importantes para um novo programa, de 12 episódios, lançado a partir do meio deste ano.

 

Ver essa foto no Instagram

 

Uma publicação compartilhada por Maickson Serrão (@opavulagem)

Maickson confessa que o maior sonho com esse projeto não é apenas o sucesso de tocar as pessoas, mas principalmente o de inspirar muitos a contarem as tantas histórias existentes sobre os povos da Amazônia. “Quero que esse trabalho possa servir de referência para que muitas outras histórias sejam contadas a partir da Amazônia. A gente tem muita coisa pra falar de Amazônia e eu acho que a gente precisa potencializar essas vozes amazônidas”, comenta.

Ele conclui dizendo que não é só sobre destruição que é preciso falar sobre a região conhecida como o pulmão do mundo. “É importante falar de desmatamento, grilagem, mas é importante falar também das pessoas, de como elas vivem, o que elas sonham, o que querem de futuro. E eu acho que quanto mais vozes a gente tiver falando, mais as pessoas vão saber sobre a Amazônia de fato e de direito”, conclui.

Ouça o Pavulagem no Spotify clicando aqui e acompanhe Maickson no Instagram, no @opavulagem.