Projeto em Duque de Caxias empodera vítimas de violência doméstica há duas décadas
Através de cursos, oficinas e rodas de conversa, o Centro de Defesa da Vida (CDVida), atende 119 vítimas de violência doméstica, sobretudo em situação de vulnerabilidade.
Desde agosto de 2006, a Lei Maria da Penha foi instituída para coibir a violência física, patrimonial, sexual e moral contra a mulher. No entanto, mesmo com o apoio da jurisdição e dos esforços de instituições não governamentais, a agressão ainda está presente na vida de inúmeras brasileiras. Segundo dados oficiais, em 2020 estima-se que 250 mulheres foram vítimas de atos de violência por dia no estado do Rio de Janeiro.
Porém, antes da promulgação da Lei Maria da Penha, outras organizações já atuavam na luta contra a violência doméstica e familiar. É o caso do Centro de Defesa da Vida (CDVida), que desde agosto de 1998 atua incansavelmente através de diversas ações de enfrentamento à agressão contra a mulher, como cursos, oficinas de economia solidária, e atendimento psicossocial. O projeto está localizado em um prédio anexo à Catedral de Santo Antônio, em Duque de Caxias, Baixada Fluminense, Rio de Janeiro.
Quer saber mais? Leia a entrevista concedida por Raquel Nasciso, assistente social e coordenadora do projeto.
Neuza Nascimento: Como nasceu o CDVida?
Raquel: O projeto foi criado por duas assistentes sociais religiosas que atuavam na Diocese de Duque de Caxias e, durante muito tempo, recebiam inúmeras histórias das frequentadoras das Pastorais e do Clube de Mães que sofriam com a violência. Na época, não existia nenhuma assistência na Baixada Fluminense especializada em atendimento a vítimas de violência e, por isso, essas mulheres não sabiam a quem ou aonde recorrer. Pensando nisso e contando com o apoio de Dom Mauro Morelli, à época Bispo da Diocese de Duque de Caxias, elas criaram o CDVida.
Neuza Nascimento: Qual o propósito do CDVida?
Raquel: No geral, o CDVida busca fomentar uma cultura de não violência, contribuir para a prevenção, valorização, defesa e garantia dos Direitos Humanos. No âmbito econômico, o projeto procura gerar trabalho e renda para mulheres em situação de violência doméstica, seja ela de gênero, familiar ou social. Além disso, discutimos como as Políticas Públicas podem ser voltadas para enfrentar todos os tipos de violência contra a mulher.
Neuza Nascimento: Qual a faixa etária das mulheres atendidas e quantas são?
Raquel: Temos 119 beneficiárias entre crianças, jovens, adultas e idosas. Nosso público são mulheres em situação de violência que moram em Duque de Caxias ou em outros municípios próximos.
Neuza Nascimento: Quais são as ações do Centro?
Raquel: Atuamos a partir de cinco eixos. O primeiro, chamado projeto Vida, acontece a partir do atendimento psicossocial e o trabalho é feito por uma equipe multidisciplinar. Nele trabalhamos com rodas de conversas e grupos terapêuticos para que as mulheres possam se fortalecer, apoiar, se conhecerem e se inspirarem.
O segundo eixo é de geração de trabalho e renda, onde acontecem as oficinas, cursos de economia solidária, workshops e seminários de empreendedorismo.
O terceiro eixo nasceu especificamente para oferecer estratégias para mulheres gerarem renda própria e conquistarem autonomia, já que na Baixada Fluminense a realidade das mulheres é extremamente marcada pela desigualdade social, desemprego e pobreza – e muitas não saem da violência devido à dependência econômica.
O quarto eixo é o de formação, onde fazemos palestras em escolas, nos Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), além de estabelecimentos públicos e privados.
Por fim, o quinto e último eixo diz respeito à articulação política. Através dele, o CDVida tenta incidir na proposição e no monitoramento de Políticas Públicas. Hoje estamos presentes no Fórum Municipal dos Direitos da Mulher, no Conselho Municipal do Conselho da Mulher e na Rede de Atendimento à Mulher em Situação de Violência. Tudo isso em Duque de Caxias.
Neuza Nascimento: Além dos eixos, vocês realizam outras atividades?
Raquel: Nós procuramos fazer com que as mulheres conheçam seus direitos, que a violência doméstica seja desmistificada e, para terceiros, como agir caso presencie esse tipo de agressão. Também é nosso objetivo que outras pessoas se tornem multiplicadoras da filosofia do CDVida, desnaturalizando a agressão, conversando sobre machismo, provocando reflexões e prevenindo a violência contra a mulher.
Neuza Nascimento: Como está sendo o atendimento durante a pandemia?
Raquel: Nós estamos conseguindo seguir com o apoio durante a pandemia, através do atendimento remoto. Para mulheres que não têm acesso a telefone e internet, continuamos com o suporte presencial. Com o apoio de parcerias, também estamos arrecadando e distribuindo alimentos e materiais de higiene, sobretudo para mulheres que estão em situação de vulnerabilidade social. A pandemia fez com que a maioria das mulheres atendidas por nós perdesse o emprego, ou não conseguisse mais trabalhar.
Neuza Nascimento: Quem são os envolvidos nos atendimentos?
Raquel: Eu sou coordenadora e trabalho junto com a Ana Lúcia, outra assistente social. Também temos na equipe uma psicóloga e uma técnica administrativa. Nosso time também conta com o apoio voluntário de duas gestoras de mídias, duas estagiárias de Serviço Social e facilitadoras de oficinas.
Neuza Nascimento: Como o projeto se mantém?
Raquel: O CDVida se sustenta através de arrecadação, parcerias com pessoas físicas e por meio das nossas rifas, as Ação Entre Amigos. Antes da pandemia, nós costumávamos montar anualmente uma barraca de caldos com recursos próprios, mas a ação está paralisada no momento. Também participamos de editais de processos seletivos. Por fim, temos duas parcerias temporárias, uma com a Missão Central Franciscana e outra com a MISEREOR – Obra Episcopal da Igreja Católica, ambas são entidades alemãs.
Neuza Nascimento: Quais os maiores desafios enfrentados?
Raquel: Existe uma ausência de políticas públicas que sejam suficientes para atender a demanda. Muitas vezes, ficamos de mãos atadas sem poder viabilizar algumas assistências sociais como moradia, trabalho, creche, entre outros. Sem esses recursos, fica difícil as mulheres saírem da situação de violência. Por isso, nosso objetivo é romper esse ciclo através do acesso aos direitos. Infelizmente, a dependência financeira faz com que estas mulheres permaneçam por mais tempo com seus agressores, aumentando sua exposição à violência e colocando suas vidas em risco.
A falta de recursos humanos, que sobrecarrega nosso trabalho na linha de frente, e a dificuldade em encontrar uma forma sustentável de se manter a longo prazo também são outros desafios que enfrentamos.
Neuza Nascimento: E as vitórias?
Raquel: Nossas vitórias são os 23 anos de CDVida, nossas parceiras e, é claro, as mulheres que conseguiram romper com a violência, se sustentarem, e seguem sendo protagonistas de suas histórias.
Neuza Nascimento: Quais são as necessidades atuais do projeto?
Raquel: Melhorar nossa comunicação externa, adequar nossa linguagem aos diversos públicos que nós temos, sobretudo nas redes sociais. Também queremos conquistar novos apoios, parcerias e garantir que outras pessoas possam multiplicar a filosofia do CDVida.
Neuza nascimento: Alguma ação futura?
Raquel: Estamos com a ideia de implementar um grupo terapêutico reflexivo para homens. Por conta da pandemia, também queremos realizar live e atingir um público maior. Também estamos nos planejando para ministrar cursos online, sendo um deles em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) sobre a incidência da religião na política. Para o próximo ano, estamos programando um curso sobre Mulheres e Direitos Humanos.
O CDVida precisa de todo apoio possível. Entre em contato através dos links abaixo e doe. As mulheres atendidas agradecem.
Contato: (21) 3774-3993
cdvida-defesadavida@hotmail.com
Pix: cdvida-defesadavida@hotmail.com