Quilombo de Arte Flor de Milho divide oportunidades e conhecimentos

Trabalhando de dentro pra dentro, Quilombo de Arte movimenta acessos e trocas nos estados do Rio Grande do Norte e Bahia

30.05.22

Crédito: Thamise Cerqueira

Por: Eduarda Nunes – Lupa do Bem / Favela em Pauta

Por onde se instala, Stéphanie Moreira junta pessoas para  promover movimentos. Foi assim que se tornou uma das fundadoras do Flor de Milho Quilombo de Arte, que hoje tem sede em Salvador, na Bahia, e em Natal, no Rio Grande do Norte. 

Junto a Inajara Diz, a iniciativa nasceu da necessidade de fazer circular os acessos, informações e conhecimentos entre pessoas que partem de diferentes lugares sociais, mas que coexistem coletivamente nessa perspectiva das trocas.

“Não fazia sentido eu chegar lá, eu que sou uma minoria, da minoria, que é uma mulher negra do interior do Rio Grande do Norte com filho mãe solo, chegar no doutorado e chegar sozinha. E aí, a gente ficou nessa onda de compartilhar os acessos”, conta a antropóloga que em 2017 precisou migrar para Salvador para estudar na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

“Eu senti muito forte que era preciso compartilhar os meus acessos, porque na cidade onde eu morava eu era uma das poucas mulheres negras que tinha acesso à universidade e eu não era de lá. As mulheres negras da comunidade, a maioria não tinha acesso nem à graduação. Os jovens quando entravam no espaço da UFBA eram perseguidos ou barrados na porta pelos seguranças, então eu mesmo, não tendo muita grana para me manter com meu filho, eu tinha a bolsa de doutorado para vivermos lá, e mesmo assim era uma assimetria muito grande”, comenta Stéphanie Moreira.

Espaço de moda afro: ações para compartilhar o acesso à arte e a cultura

Foi no espaço da Negro Charme, ateliê de moda afro que surgiram algumas ações de compartilhamento do acesso à arte e a cultura, que Stéphanie dava conta além da universidade e de seu filho a época.

Além disso, a persistência de Inajara também foi essencial para que o Flor de Milho Quilombo de Arte surgisse com a sede na casa onde moravam. 

Quilombo de Arte

“Nós acabamos nos conhecendo por outras encruzilhadas e desejos dela eram muito parecidos com os meus. Ela vinha de outra periferia de Salvador, mas morava na comunidade de São Lázaro há muitos anos e também tinha essa necessidade de compartilhamento de acessos”, conta Stéphanie.  Na época Inajara cursava o mestrado em comunicação social na UFBA.

O Flor de Milho Quilombo de Artes tem o afeto, cuidado e acolhimento enquanto princípios de ação política. Em Salvador, uma das principais atividades realizadas foi o Escambo de Hospedagem, que oferece estadia para pessoas que estavam de passagem pela capital baiana em troca de formações e oficinas para a comunidade de São Lázaro. 

A partir desse projeto uma grande teia de contatos e afeto começou a ser nutrida com pessoas de outros países.

Quilombo de Arte

Quilombo de Arte: Vivência e trocas com pessoas de outros países da América Latina

Foi essa troca de vivências que facilitou que Stéphanie e Inajara pudessem realizar trocas em outros territórios negros pela primeira vez. A primeira experiência foi em Medellín, na Colômbia. 

Ao todo, o Flor de Milho Quilombo de Artes fez uma passagem de seis meses pela capital colombiana na perspectiva das trocas de acessos e saberes e na potencialização de recursos financeiros já existentes.

Com o retorno de Stéphanie ao Rio Grande do Norte em 2019 e a chegada da pandemia de Covid-19, o Flor de Milho inaugurou uma nova etapa. Agora localizado também no Alto do Belo Monte, o quilombo de artes se deparou com outras questões. 

“Hoje fazemos parte de uma brecha no processo de gentrificação da zona sul da cidade (Natal). Somos cerca de quatro ruas espremidas entre alguns condomínios fechados de luxo. […] existe uma especulação imobiliária muito forte em relação a comunidade, já houve várias tentativas de expulsão, mas os moradores têm resistido”, conta Stéphanie.

Nesta segunda sede, a primeira ação, que se mantém até hoje, foi a criação do grupo Dona Cora, de estudos em Capoeira Angola. Stéphanie e Omim d’Funfun, pessoa trans não binária, coordenam esse espaço.

O território do Alto do Belo Monte sofre uma forte precarização e estigmatização social e na pandemia os efeitos foram maximizados para os moradores, prejudicando a vida e também os trabalhos das pessoas que moram ali. Sendo moradora, Stéphanie sentiu isso na pele ao ter dificuldades para tocar a Negro Charme, os clientes teriam que ir até seu ateliê e se queixavam bastante da localização.

Nessa perspectiva, e com apoio da Lei Aldir Blanc de emergência ao setor cultural, o Festival Cores do Beco surgiu e beneficiou diretamente dezesseis famílias em sua primeira edição em 2021. 

Ações artísticas que impulsionam o pertencimento dos moradores

O projeto consiste na pintura e requalificação dos muros das casas e na criação de murais que instigam o sentimento de felicidade, pertencimento e orgulho de quem vive no local através da arte. Além de remar contra a narrativa de violência que existe sobre a área. “É a estética enquanto processo coletivo do local, envolvendo os moradores”, conta Stéphanie.

A partir desse festival, a articulação comunitária foi se fortalecendo e hoje a sede em Natal conta com 11 integrantes na organização e elaboração das atividades junto à comunidade.  Em 2022, o evento teve sua segunda edição com apoio da Coserne (Companhia Energética do Rio Grande do Norte) e da Lei Câmara Cascudo de incentivo à cultura no Rio Grande do Norte. O evento conseguiu contemplar mais de 40 famílias. 

“O crescimento do projeto se deu de uma forma muito rápida, ele mais que dobrou de um ano para outro, né? E isso se dá ao fato da gente fazer um trabalho de dentro para dentro, a gente não trabalha no lugar dos outros, a gente mora aqui”, afirma a artista e pesquisadora.

Os impactos dessas ações podem ser medidas a partir da mudança de pensamento tanto dos moradores quanto dos passantes. Se antes poucas pessoas tinham receio de passar perto do Alto do Belo Monte, atualmente existe até um hub de economia criativa e empreendimentos negros que fazem a apresentação do local as pessoas que ficam interessadas em conhecer. 

Quilombo de Arte

Ações do Quilombo Flor de Milho – apoiar para multiplicar

Hoje, além da Negro Charme e o Quilombo, o bairro também conta com a Casa Afro Poty, uma iniciativa de disputa de narrativas sobre os povos do território potiguar, e outros empreendimentos liderados pelos demais moradores da comunidade.

Para acompanhar e apoiar diretamente as atividades desenvolvidas pelo Quilombo de Arte Flor de Milho, entre em contato diretamente pelas redes sociais do projeto.

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Autor: Redação - Lupa do Bem
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