Referência no combate à desnutrição infantil, CREN atua com excelência há 30 anos

Com foco em ajudar crianças e adolescentes, a organização possui metodologia inovadora que alia atendimento, pesquisa e advocacy

29.05.24

Maria Conceição mora na periferia de São Paulo. Ela é mãe solo de duas crianças pequenas. Sem emprego fixo, às vezes, falta comida em sua casa. Outras vezes, o gás. Para enganar a fome, costuma oferecer bolachas e água às crianças. Sua filha mais velha, Larissa, aparenta ter seis anos. Ela comenta, no entanto, que tem dez. O caçula Davi tem quatro e está visivelmente acima do peso. 

Conceição desabafa que as crianças sofrem com dermatites, infecções e diarréias frequentes. Da última vez em que foram ao posto de saúde, saíram de lá com um diagnóstico e um encaminhamento: as crianças estavam com desnutrição infantil e precisavam de cuidados alimentares urgentes. Por meio do SUS, conseguiram uma vaga em uma das unidades do Centro de Recuperação e Educação Nutricional (CREN). 

Essa é uma história inventada baseada em fatos. E é mais comum do que você imagina. O CREN atende cerca de três mil crianças entre 3 e 19 anos em São Paulo. Segundo o último relatório da Sociedade de Pediatria, cerca de 10 crianças menores de cinco anos são internadas todos os dias por desnutrição e outras deficiências nutricionais no Brasil. 

“Diferente daquela criança absolutamente emagrecida, com as costelas aparecendo, hoje existe uma desnutrição urbana, que é aquela criança que, se você não sabe a idade dela, vai achar que tem três anos, mas, na verdade, tem sete. A malnutrição também engloba aquela criança com excesso de peso”, explica a pediatra e gerente geral do CREN, Maria Paula Albuquerque. 

CREN 

Fundada em 1993 pela professora Ana Lydia Sawaya, o CREN é uma organização sem fins lucrativos que surgiu para atender as famílias em situação de vulnerabilidade dos arredores da Escola Paulista de Medicina, que hoje faz parte da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Na época, havia cerca de 22 favelas na região e mesmo estando próximo do complexo hospitalar, os moradores das favelas não acessavam aquele serviço de saúde. 

“A professora Ana Lydia observou que era preciso levar o serviço até as crianças e famílias que moravam a 500 metros de distância da Escola Paulista e não ficar esperando elas chegarem, porque havia todo um recorte de exclusão: falta de endereço, de documentação, e falta, inclusive, de compreensão do que é a desnutrição”, recorda-se Albuquerque. 

“Tem uma coisa política na história da Escola Paulista de Medicina que é de muita resistência e de muita dissidência. O primeiro projeto de saúde que olhava para os indígenas foi do departamento de epidemiologia da Escola, o Projeto Xingu. Foi nesse contexto que o CREN nasceu. Era um projeto de extensão, junto com a epidemiologia, fisiologia e pediatria. Esses três departamentos concretizaram o centro”, continua.

Imagem: reprodução.

Jardim Matarazzo, USP e Haiti

Atualmente com duas unidades, uma na Vila Mariana e outra no Jardim Matarazzo, o  cuidado nutricional é direcionado especialmente para crianças e adolescentes. Há oficinas de culinária, horta agroecológica, criação de abelhas sem ferrão e parcerias com agricultores orgânicos. As mães, em especial, são convidadas para participarem das rodas de resgate da cultura alimentar, onde trocam lembranças sobre cheiros, sabores e modos de cozinhar. A transformação alimentar acaba reverberando em toda família.

Além de oferecer atendimento, o CREN também faz pesquisa e advocacy. O grupo de pesquisa “Nutrição e Pobreza” funciona no Instituto de Estudos Avançados, da Universidade de São Paulo (IEA-USP) desde 2003. “Estamos dentro desse espaço acadêmico, de publicação, pesquisa e discussão de políticas públicas. Isso nos traz robustez na hora de entrar em edital, fazer convênio com secretarias, oferecer consultoria para Ministério Público, etc”, afirma Albuquerque. 

Por meio de advocacy, o CREN vem reproduzindo toda experiência adquirida nesses últimos 30 anos em diversos estados do Brasil e já passou por 18 países, em momentos de grande demanda por ajuda humanitária, como no caso das catástrofes que atingiram o Haiti e no intenso fluxo migratório que ocupou a fronteira da Venezuela com Brasil. Em breve, o CREN  se prepara para ir ao Equador, país recentemente devastado por uma intensa crise política. 

“Por muitas vezes, a desnutrição e a má alimentação foram tratadas como um problema de saúde e educação. Mas na verdade, é uma questão de desigualdade, de pobreza. E é estruturante”, alerta a pediatra. 

Imagem: reprodução.

Desnutrição Infantil

De acordo com relatório do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI), a desnutrição infantil no Brasil acomete principalmente bebês de até dois anos e entre crianças de 5 a 10 anos. Nessa faixa etária, a malnutrição se expressa sobretudo pelo excesso de peso. 

“É um erro achar que a obesidade infantil não é insegurança alimentar. A obesidade é um reflexo de sistemas alimentares adoecidos e está relacionada com a questão de distribuição de renda e desigualdade. Sabemos que a indústria de ultraprocessados impera com seus lobbies”, pondera Albuquerque. 

Para ela, o número expressivo de bebês com desnutrição, principalmente indígenas e quilombolas, é preocupante. “O último grande estudo epidemiológico nacional foi feito em 2019, ou seja, antes da pandemia. E mostrou que a desnutrição crônica em bebês de até dois anos estava aumentando. Isso é reflexo de um desmonte de políticas, mas também temos que ficar atentos a essa forma de malnutrição, que caiu nos anos 1980, mas que ainda não está erradicada.”  

Metodologia inovadora

Maria Paula Albuquerque era estudante de medicina quando conheceu a professora Ana Lydia Sawaya. Pediatra e nutróloga, ela começou a trabalhar no CREN no período da residência. Desde então, já se foram mais de 20 anos de dedicação. Pergunto a ela o que faz do CREN uma organização tão inovadora? “A pesquisa é importante, claro. Mas nunca deixamos de ter o pé no território, para não ficar apartado da realidade. A realidade é a senhora de todas as coisas”, defende. 

São as unidades básicas de saúde (UBS) que encaminham as crianças para o cuidado nutricional. O CREN recebe todas as coordenadorias de saúde do município de São Paulo, seis no total. “Mas nós não esperamos a UBS mandar as crianças, vamos em busca delas através do cren móvel, que faz as buscas ativas e o contato com as lideranças”, avisa.

“Essa é uma característica do CREN: esse olhar insistente para a realidade. Percebemos que o perfil de escolaridade das mães, por exemplo, melhorou muito. Mas por que os números de malnutrição ainda são expressivos? Houve uma mudança das dinâmicas familiares, da saúde mental de quem cuida. Como essa cuidadora faz quando não está bem para oferecer cuidado? Especialmente na primeira infância? Então esse é um ponto”, explica.

“O segundo ponto é considerar a malnutrição como um problema sistêmico. Por muitas vezes, tentaram combater a desnutrição com o programa Leve Leite, palestras sobre como amamentar e alimentar um filho. Mas não é assim. É um problema complexo, sistêmico. Por isso, aqui enfrentamos a malnutrição numa perspectiva de um desenvolvimento integral”, finaliza.

Imagem: reprodução.

Quer apoiar essa causa?

O CREN atua por meio de convênios com a prefeitura, editais, parcerias com empresas e institutos, além de emendas parlamentares. O centro também vem incentivando doações de pessoas físicas, através do site e da Nota Fiscal Paulista. “Esse recurso livre é importante para trabalhar aspectos que não estão sendo cobertos pelos convênios”, completa Albuquerque. 

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Maira Carvalho
Jornalista e Antropóloga, Maíra é responsável pela reportagem e por escrever as matérias do Lupa do Bem.
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