Tem abelha no meu jardim: projeto sensibiliza população sobre importância de espécies nativas
Polinização das abelhas é fundamental para conservação da biodiversidade agrícola; Brasil concentra maior número de espécies em todo mundo
Todo primeiro domingo do mês, os cultivadores de abelhas Natale Nicoló, José Neto Soares e Eduardo Martins recebem os visitantes do Parque dos Jesuítas, na região central de Diadema (SP), com caixas de abelhas mandaçaia, uruçu amarela, iraí, manduri, boca de sapo, mandaguari preta, tubuna, entre outras. Essas espécies nativas são todas sem ferrão e ficam expostas nos encontros gratuitos realizados pelo projeto ‘Tem abelha no meu jardim’, despertando a curiosidade da população.
“Em todo mundo há 20 mil espécies de abelhas. Dessas, apenas 400 são consideradas sociais, formadas por abelhas que vivem em colônia, com hierarquia de rainha, operária e zangão. O Brasil concentra 300 delas, as chamadas abelhas nativas sem ferrão. Mas hoje, quando se fala em abelha no país, a maioria da população associa com a abelha com o ferrão, considerada uma espécie invasora”, explica Natale Nicoló.
Abelhas nativas
A disputa entre abelhas com ferrão e sem ferrão não é trivial. Além de serem conhecidas pela agressividade, a expansão das abelhas com ferrão no país contribui para o desequilíbrio ecológico. “A maior parte da nossa alimentação depende diretamente do trabalho de polinização das abelhas”, avisa Natale, idealizador do projeto.
Ele explica a disputa entre as espécies nativas e invasoras: “Uma colônia de abelhas nativas possui entre 300 e 5.000 indivíduos. Por outro lado, uma colônia de abelhas com ferrão pode ter até 80.000, então a desproporção é muito grande. E quando abre a florada de uma determinada planta, muitas vezes a abelha com o ferrão chega antes fazendo um arrastão”.
“Só que muitas vezes, ela não consegue fazer a polinização, porque determinadas espécies de plantas dependem especificamente das nossas abelhas. São elas que têm o tamanho certo para fazer aquela polinização”, continua.
“Há muitas abelhas sem ferrão, que ao fazer a coleta do pólen, bate as asas e vibra. É essa vibração que faz a polinização. E quando uma abelha com ferrão chega antes nessa florada, colhe o pólen e não faz a polinização, as nossas abelhas não conseguem mais, porque não tem mais pólen. Nós tentamos mostrar isso para as pessoas”, diz.
Educação ambiental
Em ação desde 2018, o projeto de educação ambiental é totalmente independente. Para manter o projeto, eles criaram uma vaquinha virtual no Catarse e também passaram a comercializar alguns produtos durante os encontros, como mel e licor de produtores de todo Brasil.
Natale conta que tudo começou quando soube que Gugu Liberato era um meliponicultor. “Descobri as abelhas sem ferrão de uma forma inusitada, através de uma publicação no Instagram em que Gugu estava colhendo mel de jataí. Achei aquilo incrível e falei: quero criar abelhas. Tenho um sebo de livros e logo comecei a procurar informação…”
O destino, recorda-se, se encarregou do resto. “Um dia, entrou um rapaz no sebo procurando livros sobre abelhas. A minha mãe que estava atendendo e disse que nem adiantava procurar, porque tudo que aparecia ficava comigo. Esse rapaz ficou interessado e deixou o telefone dizendo que uma turma de amigos estava organizando um evento para criadores de abelhas se encontrarem e conversarem. Fui ao evento, comprei uma caixa de mandaçaia e dali em diante, virei um meliponicultor, não parei mais”.
Tem abelha no meu jardim
Com algumas caixas de abelha em sua casa, Natale logo percebeu que não teria espaço suficiente para mantê-las ativas. Ele propôs então levar uma das caixas para o jardim de uma senhora, avó de uma amiga. Os dias se passaram e as notícias que chegavam eram de que a avó tinha parado de tomar remédios e estava cada dia mais disposta.
Era notável o bem-estar gerado pela presença das abelhas. Natale pensou então em distribuir mais caixas de abelhas aos idosos. Para criar as abelhas, porém, precisava de espaço. Ele levou a proposta para o Parque de Ciência e Tecnologia da USP (Parque CIENTEC), um local amplo e arborizado, que acolheu o projeto.
As abelhas, no entanto, não pegaram as iscas. Estava difícil criá-las naquele ambiente. Mas isso não foi um problema. A ideia se transformou e o espaço que era usado para criar abelhas tornou-se uma trilha de visitação para sensibilizar a população sobre a importância das abelhas nativas.
Como cultivar abelhas sem ferrão
O projeto de educação ambiental ficou alocado no CIENTEC entre 2018 e 2022 e chegou a receber 250 visitantes em um único domingo. Desde 2023, o projeto foi transferido para o borboletário de Diadema e atualmente, faz encontros mensais no Parque dos Jesuítas, na região central da cidade.
A cada encontro, os trio de cultivadores Natale Nicoló, José Neto Soares e Eduardo Martins organizam uma café da manhã colaborativo, fazem uma breve uma apresentação do projeto, falam sobre as abelhas nativas, com alguns exemplares em mãos – eles cultivam cerca de 10 espécies de abelhas sem ferrão. Depois, ensinam como fazer um abrigo provisório para capturar e criar as abelhas e ao final, oferecem o abrigo para quem se interessar.
“Para criar abelhas sem ferrão, primeiro é preciso montar ninhos provisórios para capturar uma nova enxameação. Os ninhos são feitos em geral de garrafa pet. Não é nada predatório, na verdade, é uma oportunidade para a abelha conseguir se multiplicar. E isso é fantástico, porque traz possibilidades de novas espécies”, avisa Natale.
Licença para resgate
O projeto ‘Tem abelha no meu jardim’ estimula a criação de abelhas de forma coletiva, em hortas urbanas, condomínios e escolas. Vale destacar que a criação de abelhas, tanto exóticas, quanto nativas, estão amparadas por uma legislação específica e que o resgate de ninhos deve ser feito mediante uma autorização, a qual o projeto tem acesso. Em São Paulo, é preciso fazer o cadastro na Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística.
Natale alerta que o grande desafio para a criação de abelhas em áreas urbanas, assim como na área rural, é o veneno que circula nesses ambientes. “Na área urbana, temos um vilão que ninguém fala, que é o fumacê. O uso desse veneno dá impressão que ficaremos seguros contra a dengue e outras doenças, mas o fumacê não consegue evitar a reprodução das larvas e acaba matando todos os outros insetos, como abelhas e até pequenos beija-flores. O veneno é forte…”
O ativista, portanto, aposta na informação para alertar a população sobre a causa. “Sem abelhas, não há polinização e sem polinização, a reprodução da vida fica comprometida”, defende Natale.
Quer apoiar essa causa?
O próximo encontro será no dia primeiro de dezembro no Parque dos Jesuítas, em Diadema. Para doar, contribua com a vaquinha no Catarse. Para saber a programação completa do projeto, siga o perfil no Instagram.