+1Code traz jovens periféricos para o mercado de trabalho tech e capacita programadores

A estimativa é que nos próximos dois anos o país vai precisar de pelo menos 500 mil profissionais da área de tecnologia

04.11.21

Segundo uma matéria publicada pelo G1, em 17 de abril deste ano, existem 50 mil vagas abertas de emprego no Brasil, sendo a maioria delas destinadas a cargos de programadores e desenvolvedores. A estimativa é que nos próximos dois anos o país vai precisar de pelo menos 500 mil profissionais da área de tecnologia. 

Em 2019, dois jovens paulistanos criaram o projeto inovador +1Code. A iniciativa capacita jovens das periferias paulistas, para que estejam preparados para, em um futuro próximo, ocupar uma dessas vagas como programadores.  

Para saber mais sobre o projeto, conversei com Tauan Matos de Souza, 27 anos, CEO e um dos fundadores. 

Neuza Nascimento: O que é o +1Code?

Tauan: O +1Code é um negócio de impacto social online, que transforma jovens de baixa renda em solucionadores de problemas de suas quebradas através da tecnologia, proporcionando uma educação tecnológica de qualidade, acesso à trilhas formativas e ao desenvolvimento socioeconômico do jovem periférico. Um projeto que nasceu na quebrada para a quebrada.

Neuza Nascimento: Como surgiu a ideia do projeto?

Tauan: Desde a infância já era uma ideia nas nossas cabeças, minha e de meu sócio, Diogo. Queríamos criar algo que ajudasse os jovens da quebrada (termo paulistano para favelas) que sempre foram desacreditados, promover desenvolvimento e também dar oportunidades. O +1Code, como eu disse, nasceu da quebrada para a quebrada. Dessa forma nós conseguimos impactar vários jovens que não tinham computador ou internet para poder ter acesso a esses recursos e assim programar as oportunidades existentes por exemplo, hoje nós temos parcerias que nos ajudam através da participação desses jovens, alunos do curso, em processos seletivos para serem contratados.

Arquivo Pessoal.
Arquivo Pessoal.

Neuza Nascimento: Como tudo teve início? Como vocês colocaram essa ideia na prática?

Tauan: O +1Cod começou a ser desenhado no finalzinho de 2019 para 2020, iniciamos com uma estrutura bem simples; dois jovens querendo mudar o mundo, mudar a quebrada de onde eles vieram e trazendo oportunidades para outros jovens. O Diogo, meu sócio,  é formado em Marketing e em outros cursos nas áreas comercial e de comunicação e, baseados em nossas formações, sempre tivemos envolvimento com jovens da quebrada. Nesse processo, um dos jovens do Jardim Pantanal, Zona Leste de São Paulo, nos procurou perguntando se conhecíamos algum curso que ensinasse programação, mas com uma linguagem simples. E aí, tudo começou. Eu apaixonado por tecnologia, Diogo apaixonado por projetos, começamos a procurar organizações que pudessem ajudar esse jovem. Visitamos alguns locais, entramos em contato com pessoas conhecidas, que já trabalhavam com programação e capacitação, só que não conseguimos encontrar um curso que de fato ensinasse numa linguagem simples para que ele pudesse se desenvolver de uma maneira correta. Um curso que usasse uma linguagem da quebrada para a quebrada. Foi quando nos juntamos com mais dois amigos que já trabalhavam como programadores – Cleyton, gerente de produtos no “Reclame Aqui” e  Horácio, fundador de uma empresa de sistemas. Depois disso estabelecemos um processo de criação e estruturação, para que o projeto de fato viesse a ter uma vida. Assim nasceu o +1Code. Começamos um protótipo com dois grupos de alunos para sentirmos como seria essa metodologia de ensino e, nesse processo, juntamos cerca de 20 jovens que recebem 100% de acompanhamento. Sempre procuramos olhar para eles e ver quais seriam as habilidades de cada um para que o desenvolvimento acontecesse.

De lá pra cá fomos aperfeiçoando. Nosso primeiro modelo de ensino era e continua sendo Peer to Peer, ou seja, um professor voluntário para cada aluno, numa média de duas aulas semanais, com suporte diário de nossa equipe. 

Lupa do Bem: E quais são as principais coisas que os alunos aprendem no +1Code?

Tauan: Aprendem, HTML, CSS e Java.

Lupa do Bem: De onde vem o nome +1Code?

Tauan: O que inspirou o nome do projeto foi principalmente saber que mais um jovem periférico poderia entrar no mercado de desenvolvimento “tech”, e assim nasce mais um “code”.  Code, de codificador.

Lupa do Bem: Como é formada a equipe do projeto?

Tauan: Temos uma equipe administrativa, eu sou responsável pela gestão de comunicação e pela parte estratégica, como CEO e fundador; o Diogo, é responsável pela área comercial, faz a gestão de novos produtos e de parcerias; a Priscila, é responsável pela parte administrativa e financeira; a Kate, é assistente educacional, acompanha o jovem em todo o processo de aprendizagem e na recepção dos novatos. E fora isso, mais de 80 mentores, que trabalham de forma voluntária tendo a responsabilidade de trazer o conhecimento em forma de arquivo ou de forma remota para os alunos.

Arquivo Pessoal.

Lupa do Bem: Hoje, o projeto conta com quantos beneficiários?

Tauan: Temos em torno de 160 jovens já impactados, e pouco mais de 90 mentores, que são beneficiários também. Se beneficiam tendo a satisfação de serem voluntários e alguns deles são remunerados para realizar ações específicas dentro do projeto.

Lupa do Bem: Qual o processo para ingressar no +1Code?

Tauan: O interessado se inscreve, preenchendo um formulário, passa por um processo seletivo e começa o curso no mês seguinte. O critério para entrar é ser morador de regiões periféricas e estar em situação de vulnerabilidade social e/ou econômica. 

Lupa do Bem: Como o projeto se mantém?

Tauan: Através de parcerias, vendas de serviços. Muitas vezes empresas nos procuram para construção de projetos e, de forma mais passiva, trabalhamos com doações e também com benfeitorias. Hoje, nós temos um grupo de empresas que nos apoia como por exemplo a Bit One, empresa que vende sistemas tecnológicos para bancos,  a Brasil JS e a AFROYA Tech Hub, fornecedoras de hub de serviços; o grupo ARTEMISIA, aceleradora de pessoas e negócios; a FGV – Fundação Getúlio Vargas; o Instituto Joule, que é focado basicamente em ajudar essas jovens potências da quebrada,  a Escola de Inglês PLT4Way; a Escola Livre de Inteligência Artificial; a Banca Audácia Jovem com Ação, uma organização dentro de algumas periferias aqui de São Paulo e outras.

Lupa do bem: Qual o maior desafio?

Tauan: Trazer esse jovem, que se sente desacreditado, é o maior desafio. E também entrar em contato com essas empresas para que elas tenham a visão de que queremos ajudar. Esses são os grandes desafios como organização. Os jovens acreditam muito em mudanças, mas como não têm uma referência na quebrada, é difícil se enxergarem fazendo parte do projeto. 

Lupa do Bem: Pode me falar das vitórias?  

Tauan: Temos muitas. Por exemplo, a oportunidade de ver jovens sendo contratados; vê-los aprenderem a fazer programação pelo celular e depois receberem um notebook, tendo a oportunidade de programar de fato; ter jovens participando em universidades e sendo os primeiros de suas famílias a estar naquele espaço.

Lupa do Bem: Em qual estágio o projeto está hoje?

Tauan: Em expansão. Estamos fechando parcerias com empresas boas, inclusive com uma empresa que trabalha com processo seletivo totalmente voltado para a área de tecnologia. Ela contrata jovens através do “Rototon”, um evento para programadores. Também temos uma parceria com a empresa Tô Ricco – que ensina planejamento financeiro pessoal para os jovens, pois não adianta eles serem contratados e não ter noção de como investir, cuidar do dinheiro recebido pelo seu trabalho. O salário de um programador júnior é algo a partir de 2 mil reais, isso pra um jovem periférico faz uma diferença muito grande.

Lupa do Bem: Gostaria de acrescentar algo a mais? 

Tauan: Nós, eu e Diogo, somos jovens periféricos, e hoje nós conseguimos ver a diferença que a tecnologia pode fazer para a vida de um jovem nas mesmas condições. Como ele pode, de fato, ser impactado e mudar tanto a realidade dele quanto a de sua família, então queremos deixar um convite aqui para os jovens que estão procurando aprender um pouco mais sobre tecnologia. Venham para o +1Code! Mesmo que você tenha só um conhecimento muito básico ou mesmo nenhum conhecimento, para que possam, cada vez mais, mudar as histórias de suas vidas.

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Neuza Nascimento
Após ser empregada doméstica por mais de 40 anos, Neuza fundou e dirigiu a ONG CIACAC durante 15 anos. Hoje é estudante de Jornalismo e trabalha com escrita criativa, pesquisa de campo e transcrições. No Lupa do Bem, é responsável por trazer reflexões e histórias de organizações de diferentes partes do Brasil para a "Coluna da Neuza".
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