Um novo olhar sobre o trabalho de catadores no Brasil
Movimento “Pimp My Carroça” atua para visibilizar o trabalho realizado por catadores de materiais recicláveis. Iniciativa começou no ano de 2012 e busca ampliar a renda destes trabalhadores por meio da arte, tecnologia e participação coletiva
Créditos: Divulgação
Por: Gabriel Murga / Lupa do Bem – Favela em Pauta
O Brasil recicla apenas 3% dos seus resíduos. Este dado divulgado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE), por si só, contrasta com a imagem que o país possui, muito em função do esforço de trabalhadoras e trabalhadores que tiram seu sustento da coleta de resíduos ou recicláveis.
Os 3% escancaram uma realidade que contrasta com um símbolo desta atividade no Brasil, a lata de alumínio, quase sempre utilizada para venda de bebidas e um dos materiais com maior valor de venda para reciclagem.
Porém, enquanto sociedade, este é um dos muitos produtos que descartamos e são fonte de trabalho e renda para uma centena de brasileiros, inclusive, sem dúvida alguma, na cidade onde você vive.
Um dos projetos que busca reverter este cenário é o Pimp My Carroça. Criado em 2012, o projeto amplia a renda destes trabalhadores, por meio da arte, da tecnologia e principalmente por meio da participação coletiva.
9 a cada 10 objetos reciclados no Brasil são pelo trabalho de catadoras e catadores de resíduos
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a cada dez objetos reciclados no país, nove se dão por meio do trabalho dos catadores de materiais recicláveis. Isso evidencia uma outra questão: a omissão do poder público, das empresas e da própria sociedade civil.
Afinal, qual foi a última vez que você separou a matéria orgânica do plástico, dentro de casa? E já parou para pensar se o seu município tem alguma parceria entre a prefeitura e cooperativas de reciclagem? Apenas nos atendo a exemplos cotidianos, podemos perceber o quanto falta de visibilidade e atenção a esse assunto fundamental para a sociedade.
Um dos trechos do manifesto do Pimp My Carroça, destaca que o “Movimento acredita na força prática de ações criativas e colaborativas. Sem pretensões de entregar soluções prontas – assim como o mundo, estamos em constante transformação. A arte é a nossa carroça. Nosso mérito é reconhecer o mérito das catadoras e catadores, vanguardistas empíricos que são uma das poucas profissões que podem bater no peito e dizer: eu estou ajudando a combater o colapso ambiental. Não se trata mais de defender a natureza, se trata de entender que nós somos parte dela. Os catadores já entenderam isso há muito tempo. Está na hora da gente aprender com eles”.
Os dados do Anuário Brasileiro de Reciclagem, publicado em 2020, maior fonte de informação digital sobre o trabalho das catadoras e catadores, contando inclusive com um aplicativo com informações sobre catadores e seu papel na cadeia de reciclagem, mapeou 1829 organizações de catadores, sendo a maior parte delas concentradas no sudeste, em especial no estado de São Paulo com 324 organizações apontadas neste levantamento.
A maior parte dos profissionais que trabalham com resíduos são mulheres, e nas regiões sul e sudeste chegam ao maior percentual, cerca de 56%. Já na Região Nordeste, é onde a divisão se aproxima, são 51% de catadoras e 49% de catadores, segundo os dados do anuário.
Disparidade de renda nas regiões brasileiras e possíveis caminhos para mudanças positivas
Chama atenção a disparidade de renda, entre as trabalhadoras e trabalhadores em função das regiões e estados do país onde vivem. Na região sul do país cada trabalhador recebe em média R$1.141,00 por mês, já na região Nordeste, são R$651,48, uma diferença de quase 500 reais.
Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), no mês de março deste ano, Salvador, capital da Bahia, registrou o menor valor para a cesta básica no país, R$ 461,28. Já em Florianópolis, capital de Santa Catarina, foi registrado o maior preço, R$ 632,75.
Reciclagem e geração de renda: um desafio atual
Segundo estimativas do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, em todo Brasil são entre 800.000 e 1.000.000 de trabalhadores. Chama atenção a ausência de um dado oficial, o que segundo o Movimento Pimp My Carroça, “é um sintoma do tanto que os poderes público e privado fecham os olhos para os catadores”.
Para potencializar a geração de renda destes trabalhadores o Pimp My Carroça criou o aplicativo Cataki, que tem como principal objetivo conectar o gerador de resíduos, seja pessoa física ou uma empresa de qualquer porte ao catador, que realiza a coleta, tratando o resíduo da forma mais adequada.
É importante destacar que estar no app possibilita aos catadores e catadoras receberem mais chamadas para fazerem coleta, destaca o site do movimento que recebeu no ano passado, o prêmio Empreendedor Social do Ano de em Resposta ao Covid-19.
Durante a pandemia, a principal ação promovida pelo Pimp My Carroça foi o financiamento coletivo Renda Mínima Pros Catadores, que arrecadou mais de R$ 1,5 milhão, distribuídos entre 2.117 profissionais da reciclagem, trabalhadores responsáveis por coletar 90% de tudo que o Brasil recicla.
Após a coleta, o catador leva os resíduos até um ferro-velho – é nesse local que ele vende seu material, recebendo uma quantia referente ao valor do quilo daquele produto. Esse valor varia muito: depende do ferro-velho, da região do país e da época.
Apesar dessa variação toda, tem algo sobre esses valores que não muda nunca: eles são sempre muito baixos. O quilo do vidro dificilmente ultrapassa os 5 centavos. Já o quilo do plástico não passa dos 20 centavos. E o quilo da latinha de alumínio costuma sair por pelo menos R$3,50, segundo depoimentos de catadoras e catadores.
“A educação para reciclagem é importante, para a gente saber o que fazer com nossos resíduos e principalmente nos responsabilizamos e nos tornarmos conscientes sobre nossa forma de consumir. E o PMC é um aliado, na medida que nós conscientizamos a sociedade civil da importância do papel do catador na sociedade e atualmente também estamos produzindo bastante conteúdo sobre resíduos”, afirma Letícia Tavares, diretora de Gestão do movimento.
“Um bom exemplo é o Cataflix, série que produzimos e é apresentada por catadores. Na série, esses gênios do resíduos nos explicam sobre os tipos de material, formas de armazenamento, entre outras dicas muito valiosas. Nós recebemos dezenas de relatos das catadoras e catadores, que após participar de um evento e ter a carroça pimpada (reforma com aplicação de arte nas carroças), as pessoas se aproximam, falam com eles, procuram saber o porquê a carroça está tão bonita. Grafitar as carroças chama a atenção da sociedade civil, para um trabalhador, que faz um trabalho de coleta urbana, essencial para a cidade, mas que até então estava invisibilizado”, pontuou Tavares.
Cada brasileiro e cada brasileira produz cerca de 378 kg de resíduos por ano, mais de um quilo por dia, segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE).
Além disso, todos os anos por falta de políticas públicas, de iniciativas de empresas privadas e de uma educação autônoma que leve em conta a importância do reuso e da reciclagem, o país perde R$ 120 bilhões ao enterrar os resíduos em detrimento da escolha por reciclá-los segundo informações da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ).
Uma iniciativa de reciclagem em Goiás mostra que todos podem colaborar
Um dos pontos fundamentais que precisamos entender sobre reciclagem, reuso e resíduo, palavras que precisam entrar no nosso vocabulário, envolve iniciativa e mudança de atitude.
Goiás, segundo o Anuário Brasileiro de Reciclagem, é o estado do Brasil com a menor renda média entre os trabalhadores que lidam com resíduos, cerca de R$300,00 por mês em média, segundo os dados registrados no ano passado.
Foi lá que um grupo de alunos do curso de direito da Universidade Estadual de Goiás se mobilizaram e criaram o projeto “Vai catar latinha” com objetivo de preservar o meio ambiente e arrecadar recursos para famílias em situação de vulnerabilidade em Aparecida de Goiânia.
“A iniciativa surgiu a partir do momento em que soubemos que muitas famílias de Aparecida de Goiânia estariam sobrevivendo com apenas 150 reais por mês e a reciclagem da latinha de alumínio é o meio que elaboramos para que todos participassem. Então com as latinhas arrecadadas estamos contribuindo para o meio ambiente e o valor arrecadado nas vendas é revertido em cestas básicas para as famílias”, afirmou a equipe do projeto em conversa com a Lupa do Bem.
A última coleta desta etapa pelo grupo acontecerá no dia 30 de julho e a iniciativa contou com apoio de uma empresa de reciclagem que doou 20 cestas básicas para apoiar as doações. Para fazer doações ao projeto, basta entrar em contato pelo endereço @vaicatarlatinha no Instagram.