Após sofrer assalto, chef de cozinha cria projeto de capoeira em bairro periférico carioca

Educar para Transformar

Professor de capoeira oferece um novo caminho, dá sentido à vida e transforma realidade de crianças e adolescentes moradores do bairro Recantus na Baixada Fluminense

Belford Roxo tornou-se uma cidade no dia 3 de abril de 1990, quando a Lei Estadual nº 1.640 foi aprovada e o distrito foi desmembrado de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, Rio de Janeiro. 

Em 2022, tinha aproximadamente 484 mil habitantes e um IDH de 0,684. Esse índice, embora seja classificado como médio pelos padrões da ONU, está significativamente abaixo da média do estado do Rio de Janeiro, cujo IDH é 0,762, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2021). 

Em outras palavras, o município que abriga a farmacêutica alemã Bayer e onde nasceu e cresceu o ator, cantor, compositor e multi-instrumentista Seu Jorge, infelizmente, ainda hoje é conhecido pela violência local. É nesse cenário de vulnerabilidade que atua o projeto Educar para Transformar, com o objetivo de gerar impacto social na comunidade. 

O projeto foi criado por Renato Rocha, pai de um casal de filhos e conhecido na capoeira como professor Lobo. Formado em gastronomia, Renato trabalha na área hospitalar e tenta ser um cidadão ativo, através do envolvimento com a capoeira e trabalho social comunitário. O projeto completou 20 anos recentemente, atendendo crianças, jovens, adultos e pessoas com deficiência. 

A Coluna da Neuza, através do Lupa do Bem, fez uma visita ao espaço onde acontece a iniciativa e conversou com o idealizador da iniciativa e alguns alunos. Confira:

Coluna da Neuza: De onde veio a ideia de criar o projeto?

Professor Lobo: O Educar para Transformar surgiu após um assalto que sofri ao chegar do trabalho, em frente a uma escola… Fui abordado por um jovem e, com o desejo de nunca mais ter que ver um jovem com uma arma na mão assaltando um trabalhador, decidi iniciar o trabalho com  a capoeira. 

Coluna da Neuza: Qual é o objetivo do projeto?

Professor Lobo: Eu acho que quando a gente trabalha com o social, é em prol do amor ao próximo. E só com um bom coração conseguimos transmitir isso para a sociedade. E de que forma eu faço? Através do esporte. 

Ele tem esse poder de transformar algo ruim em algo bom. Mas o objetivo maior é formar cidadãos, dar base a eles para que um dia possam ser um mestre de capoeira ou mesmo um acadêmico, se formando na área escolhida por eles.  

Coluna da Neuza: Como você conheceu a capoeira?

Professor Lobo: O fato de eu ser assaltado na frente da escola em que eu estudei me impactou muito. Ali existia um projeto chamado Escola Todos Pela Paz, que funcionava nos finais de semana. 

Além da educação formal, no projeto eram oferecidas aulas de capoeira e teatro, e contava com uma banda que atuava anualmente no 7 de Setembro. Foi assim que conheci a capoeira e depois, decidi criar o Educar para Transformar. 

Coluna da Neuza: Quantos alunos são atendidos? 

Professor Lobo: Uma média de 40 alunos. As aulas acontecem às terças e quintas-feiras, às 19h.

Coluna da Neuza: Como é o envolvimento da comunidade com o projeto?

Professor Lobo: A comunidade vem abraçando através da divulgação do trabalho nas redes sociais e quando realizamos eventos, as famílias comparecem em peso. 

Coluna da Neuza: Qual a sua maior dificuldade no projeto? 

Professor Lobo: As dificuldades são muitas! Uma delas é que, durante todo esse tempo, nunca tivemos um patrocínio externo. Mas tenho esperança de que um dia aconteça. 

Coluna da Neuza: Você já teve vontade de desistir?

Professor Lobo: Muita, muita vontade. Já passei noites em claro, chorando, ajoelhado, me perguntando o porquê de eu estar aqui e como eu ia conseguir levar isso adiante. Mas os anos foram passando e eu sobrevivi, só não sei como. Só sei que Ele existe, que é uma ferramenta, e que sou um instrumento para o bem.

Coluna da Neuza: Qual a relação com o projeto Um Passo a Mais Capoeira? 

Professor Lobo: Juntos nos tornamos um pouco mais fortes, mais resistentes. Essa parceria é de coração, corpo e alma. Os dois projetos têm o mesmo propósito: formar bons cidadãos. O Educar para Transformar enverga, mas não quebra. Por muitos motivos, como, por exemplo, essa parceria e a ajuda dos pais dos alunos.

Renato diz ainda que trabalhar com pessoas é um desafio, “mas me sinto muito grato por terem escolhido a mim e à capoeira”. 

“Quando estou triste é para eles que eu ligo, é para eles que peço visita e peço conselhos. Eu não me vejo mais sem esses alunos, para mim, a maior vitória é tê-los na minha vida.” 

Gerando impacto social na comunidade

Renato lembra que treinava os alunos na rua. O benfeitor João José de Souza, vendo a situação precária, cedeu o espaço onde hoje acontecem as aulas, uma vitória para o projeto. 

Apesar de todos os desafios, o projeto acolhe também alunos PcDs, como o caso de Bruno Mateus Santos da Silva, de 24 anos, conhecido na capoeira como Tom. Ele tem dificuldade para se expressar verbalmente, mas fez questão de compartilhar que frequenta o projeto para treinar e realizar muitos exercícios com as pernas.  

Nesse momento ele recorre a Renato para ajudá-lo a transmitir sua mensagem. O professor incentiva: “fala pra ela, o que você faz aqui” Então, ele responde: “jogo na roda, brinco e outras coisas. Eu gosto muito”. O apelido “Tom” surgiu na capoeira, por ele gostar muito de musicalidade.

Abaixo alguns alunos dão depoimentos sobre o projeto Educar para Transformar e contam como suas vidas se transformaram

Maria Vitória, de 16 anos, conta que participar das aulas trouxeram benefícios para a sua saúde mental. “Antes de entrar para o projeto eu tinha muitos problemas com ansiedade. Chegou a ter dias que eu não conseguia levantar da cama”. 

“Comecei achando que não iria ficar; vim uma vez e continuei. Posso dizer que o projeto me ajudou muito a conseguir socializar, eu tinha problema até em falar com outras pessoas; fazer amigos e até na questão de ter vontade de continuar vivendo.” 

“Eu tinha muitos problemas em casa e com a minha mãe. Aqui a gente não encontra só a capoeira, como o professor mesmo falou; encontramos realmente uma família que, querendo ou não, quando precisamos desabafar é quem procuramos, pode ser o professor ou um colega de treino. A capoeira mudou a minha percepção da vida porque cheguei a um ponto em que eu não entendia muito bem o que era viver.” 

“Aqui na capoeira fui conhecendo as pessoas, fazendo amizade, fui até mesmo tendo mais confiança para conversar. E acredito que, além de mudar a minha perspectiva de vida, me mudou como ser humano. Acredito que a capoeira me ajudou muito nesse quesito, principalmente nas conversas com o mestre na questão de ter mais paciência para ouvir, mais cabeça para sentar e conversar com os outros alunos.”

Já Andrew de Souza Fernandes, de 14 anos, destaca a melhoria na socialização. “Eu era muito estressado e não gostava de falar com ninguém. Quando entrei para a capoeira, comecei a desabafar com algumas pessoas, a conversar. A capoeira é boa e eu gosto. O professor mudou minha vida, ganhei uma família. E, com a parceria do Um Passo a Mais Capoeira, essa família ficou enorme”, explica.

Marienny, de 16 anos, diz que a disciplina do esporte teve reflexo na sua vida escolar. “O Educar para Transformar foi uma luz na minha vida. Eu era uma pessoa muito agressiva e isolada, sempre na minha, não falava com ninguém. Fui diagnosticada muito cedo com alguns problemas como depressão e ansiedade e a capoeira me ajudou muito a sair desse estado.” 

“O professor está sempre me apoiando, aconselhando, me trazendo mais para fora, me incentivando a falar com as pessoas e isso me ajudou bastante. E, diferente do que muitas pessoas acham, a capoeira e os esportes de luta, não deixam a pessoa mais agressiva, é totalmente o contrário.” 

“O esporte, a capoeira e as lutas, me ensinaram respeito e doutrina; eu era uma pessoa que se brigasse mais uma vez na escola seria expulsa e o professor e a capoeira me ajudaram a me moldar. Hoje,  sou bem diferente, graças a Deus e a capoeira, né?” 

Por fim, Victor Moreira, de 20 anos, ressalta que as conexões criadas o ajudaram a controlar seus sentimentos. “O projeto, para mim, foi minha salvação. Na época ninguém sabia, mas eu não estava bem e quase atentei contra a minha vida; foi então que conheci a capoeira”. 

“No início, achei que não era para mim, mas aí o meu mestre foi me incentivando a frequentar as aulas. Com o tempo, fui percebendo que gostei muito, mesmo com algumas dificuldades. Eu consegui com a ajuda também dos meus colegas.” 

“Eu não falava com ninguém, era muito tímido e qualquer coisa me estressava. Eu queria sair batendo em todo mundo, quebrar as coisas. Graças ao meu mestre, que também conversou comigo algumas vezes, consegui ter motivação para continuar. Hoje eu não consigo viver sem esse projeto”, finaliza. 

Saiba como ajudar

Você pode ajudar o projeto Educar para Transformar doando tatames, sacos para treino, luvas, pesos de pernas e outros materiais, pois a capoeira abrange musicalidade, cultura e partes de lutas, além das apresentações. 

Para mais informações entre em contato pelo número (21) 9 6560-2921 e fale diretamente com o professor Lobo. 

Para ajudar financeiramente, use a chave Pix  [email protected].

O projeto é antigo, mas o Instagram ainda é novinho. Por favor, dê uma força seguindo, curtindo, comentando e compartilhando!

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