Através do surfe, ONG conecta o mar à transformação social no Litoral Sul de Pernambuco
A criadora do TPM - Todas Para o Mar é também uma das primeiras atletas de surfe negras do País
Crédito: Divulgação
Por: Kauana Portugal – Lupa do Bem / Favela em Pauta
Foi durante uma “conversa com o mar” que Nuala Costa, surfista, mãe e ativista decidiu criar o projeto social TPM – Todas Para o Mar, movimento feminista e antirracista voltado para transformação social de crianças e adolescentes.
O ano era 2016 e a atleta carioca, criada em Maracaípe (PE), já se incomodava com as barreiras sociais impostas à juventude na praia do Litoral Sul pernambucano. Àquela altura, Nuala ainda era a única surfista negra no cenário considerado um dos paraísos brasileiros para a realização do esporte.
A Baía de Maracaípe, que fica ao lado de Porto de Galinhas, é um dos destinos turísticos mais procurados da região Nordeste. Hoje, ao chegar na pequena vila, é difícil não encontrar meninas e meninos com uma prancha de surfe na mão, indo em direção à praia. Com o incentivo do Todas Para o Mar, 80 jovens participam de atividades que abrangem não só aulas de surfe, mas também reforço escolar e ensino de idiomas.
“Não tinha crianças pretas dentro da água. Aqui existe um apartheid muito grande. Os nativos são empurrados para o mangue. O tráfico de drogas empurra para o mangue. Quando a TPM surgiu, eu percebi que o problema não era só o surfe. Era a cidade”, explica a fundadora da ONG.
Nuala é a primeira mulher a representar profissionalmente o estado de Pernambuco em campeonatos de surfe nacionais e uma das primeiras atletas negras do País. O mangue, citado por ela, é onde vivem parte das cerca de 800 famílias nativas, que desempenham atividades relacionadas à pesca de marisco.
Causas sociais como ferramenta de transformação
A entidade, pensada para inserir garotas e mulheres negras ao mundo do surfe, tornou-se uma plataforma de impacto social que acolhe também as mães das meninas e meninos assistidos pelo projeto.
Para essas mães, são oferecidos cursos técnicos e uma feira de artesanato. A cada quinze dias, acontece ainda uma sessão de cinema na comunidade. Não são raras as oficinas e eventos comemorativos na sede da organização, além de ações destinadas ao combate da insegurança alimentar. Durante a pandemia, mais de 3 mil cestas básicas foram doadas pela ONG.
Com uma trajetória marcada pelo comprometimento constante com a justiça social, Nuala garante conhecer cada um dos jovens que já passaram pelo projeto.
A ativista, que é lésbica, tem chamado a atenção para a importância de combater o racismo, a LGBTfobia e o sexismo ainda na juventude, trazendo consciência e aceitação para os mais novos. “Aqui eles têm liberdade para serem quem são”, conta.
“Nas minhas TPMs eu busco o mar. Veio tudo de uma vez”
Cria de um projeto social, Nuala começou a surfar profissionalmente aos 16 anos. Mesmo ocupando uma posição de destaque nas competições, a falta de patrocínio aliada ao racismo, elitismo e sexismo presentes no esporte conduziram a atleta para fora do país, para acompanhar familiares que já moravam em países da Europa.
Com um longo período de dedicação ao esporte, ela retornou a Pernambuco após 15 anos. Foi aí que as águas da surfista desembocaram em Maracaípe novamente, e deram origem ao projeto Todas Para o Mar.
Quanto mais perto do mar, mais longe das drogas
O que as propagandas não mostram sobre o Litoral Sul de Pernambuco são as taxas de criminalidade que crescem de maneira assustadora. Com o avanço do tráfico de drogas, a importância da oferta educacional, de cultura e lazer tornaram-se ainda mais necessárias para manter a juventude periférica próxima de sua potência.
Em seis anos de projeto, a TPM já acolheu e viu o desenvolvimento de cerca de 200 jovens. Destes, quatro foram cooptados pelo crime. Na batalha travada contra o tráfico, vencer significa manter os adolescentes próximos do mar e longe das drogas.
“Ao invés de investir em educação crítica, de base, o investimento chega em forma de armamento, em polícia”, reclama Nuala.
Em março deste ano, uma criança de seis anos foi atingida por um tiro no peito enquanto brincava na frente de casa, em uma comunidade vizinha à praia de Maracaípe. Meses depois, o inquérito da Polícia Civil de Pernambuco concluiu que a bala foi disparada por um policial do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), mas até agora ninguém foi responsabilizado.
Além disso, a especulação imobiliária, outro sintoma da desigualdade, afasta os nativos da beira-mar, local onde acontece a maior parte da movimentação financeira. “O turismo passa na porta da comunidade e não enxerga as pessoas. Os nativos têm subempregos”, comenta.
Com isso, o capital gira em torno dos empresários brancos, em sua maioria. Trocando em miúdos, o dinheiro não fica em Maracaípe. “O turismo predatório nos dá o resto”, finaliza Nuala.
O futuro da TPM – Todas Para o Mar depende de nós
As atividades na sede da ONG são possíveis graças ao empenho de 30 voluntárias. Destas, seis compõem a diretoria ao lado da fundadora Nuala Costa. São Alynes, Ligias, Stellas, Julianas, Michelines, Marias e Alexandras as responsáveis por manter a casa onde o projeto funciona todos os dias, das 7h às 19h, com pranchas à disposição dos participantes.
O futuro da organização, para Nuala, está ao lado do esporte, da educação e da efetivação de direitos. “Eu gostaria que a gente pudesse ter tranquilidade, sustentabilidade financeira e dignidade. A polícia passando pra proteger a gente, sem o medo da marginalização. A favela não é marginal. É correria”, desabafa. Ver os jovens na universidade, com acesso e permanência garantidos é a próxima meta da Todas Para o Mar.
Como apoiar o TPM
Para seguir mudando vidas, a ONG precisa de ajuda. Sem patrocínios fixos ou ajuda de entes públicos, o projeto funciona graças à solidariedade dos doadores.
É possível contribuir financeiramente, com material para a prática de surfe, alimentos ou roupas. Seja um doador mensal e “abrace a TPM” através do PIX: 55590000 (CNPJ). Acompanhe também o projeto através do Instagram.
A sede da Todas Para o Mar fica na Rua Epitácio Chalaça, número 30, Baía de Maracaípe – Ipojuca, PE.