Histórias do G20: juventude brasileira quer espaço nas políticas de adaptação climática
Em esquenta para a COP30 em Belém, juventude brasileira mostra que quer ter seu espaço garantido na formulação de estratégias para lutar contra a crise climática
Pela primeira vez, em novembro deste ano, o Rio de Janeiro recebeu o G20 Social, evento que abriu as portas para a sociedade civil e movimentos populares defenderem pontos que são importantes para cada grupo e que devem ser levados em consideração no momento de negociação dos países na cúpula do G20 – que também aconteceu na cidade. Quarenta e cinco mil pessoas marcaram presença nos três dias de evento.
A equipe do Lupa do Bem esteve presente para acompanhar e cobrir alguns dos painéis de discussão do G20 Social. Foram cerca de 10 atividades autogestionadas distintas que trabalharam o tema da juventude, dando destaque para o painel “Juventude pela Adaptação: Lançamento da Carta Climática para o G20”, organizado e mobilizado pela Engajamundo.
Um estudo científico publicado no início de 2024 na revista Nature Climate Change revelou que o planeta já ultrapassou o limite de aumento de temperatura de 1,5°C estabelecido pelo Acordo de Paris, alcançando 1,7°C até 2022. Este dado é extremamente alarmante, especialmente considerando que as temperaturas recordes registradas em 2023 ainda não foram incluídas na análise.
Com esse contexto, Bruno Araújo, geógrafo, assessor parlamentar para justiça climática na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), comunicador no @BrunoPeloClima e apresentador do Podcast Planeta A, participou do painel e reforçou a necessidade de se pensar a adaptação climática, e não mais a mitigação.
Segundo ele, existem dois caminhos: adaptar os territórios ou estar fadado a enfrentar um presente e futuro muito mais complicado. “Mesmo que a gente cortasse as emissões de GEEs (gases de efeito estufa) imediatamente, não adianta. Sentiríamos os efeitos da crise climática. A adaptação se faz necessária”, afirmou.
Bruno ainda comentou a necessidade de pensar a transformação levando em consideração os diferentes cenários locais, comunidades e necessidades das pessoas que vivem em cada região do Brasil. “Não tem como falar de adaptação sem falar de participação local. Quem sabe onde alaga, quem sabe onde enche, quem sabe onde desliza, é quem mora lá”.
Levando todos esses pontos em consideração, o Engajamundo, em parceria com outras organizações comunitárias de jovens, organizou a Articulação de Juventudes Ativistas por Adaptação Climática (AJAAC) para desenvolver a Carta de Recomendação das Juventudes para o G20 com foco em adaptação.
A iniciativa destaca o jovem tanto como quem frequentemente enfrenta diretamente os efeitos de catástrofes, como as recentes enchentes no Rio Grande do Sul, quanto como peça-chave na promoção de mudanças significativas. A Associação de Jovens Engajamundo, A Vida no Cerrado (AVINC), Eco pelo Clima, e Movimento da Juventude Indígena de Rondônia assinam a carta.
Também conversamos com Wanderson Costa, diretor executivo do Engajamundo, para saber mais detalhes sobre a formulação da Carta de Recomendações.
LUPA DO BEM: Dentro dos pontos trazidos na Carta, existe algum que é mais relevante para o Engajamundo? Se sim, qual?
WANDERSON: Todos os pontos trazidos na Carta são relevantes, mas acredito que uma das grandes recomendações que o Engajamundo tem, e a gente tem buscado isso através da nossa própria atuação, é justamente o financiamento para produção de dados para jovens pesquisadores em escalas locais.
A gente vem de um momento de discussão, tanto dentro do Engajamundo quanto outras organizações de juventude, que a juventude não quer mais só estar em um espaço para ser escutado, mas usado como token.
A gente também quer que nossos dados, nossas pesquisas, e o que temos de contribuição também seja colocado como relevante e chegue dentro de espaço de decisão.
Que nas mesas de negociação também tenham pessoas jovens que participem das tomadas de decisões – afinal, nós, que somos um dos corpos mais afetados pelas mudanças climáticas, então também temos que estar na linha de frente no combate às mudanças climáticas.
Então é importante que esse financiamento chegue justamente para capacitar os jovens, para usar as metodologias que a gente tem e que isso gere dados e gere contribuições que, de fato, enxerguem a nossa realidade.
A gente não precisa de soluções que venham prontas, que venham de cima pra baixo, mas sim que sejam feitas, pensadas e formuladas conosco. Por que não estamos decidindo também sobre o nosso próprio futuro?
O Brasil vive um gap muito grande ao falarmos sobre o que acontece quando ocorre um evento climático extremo. Quem presta socorro e quem é atendido? Isso fala um pouquinho com o próprio racismo ambiental institucionalizado no Brasil.
E são muitos desses jovens que estão na linha de frente quando acontecem esses desastres. Então é preciso justamente criar esses espaços de diálogo, de consulta com esses jovens e a continuação de recursos para capacitar esses jovens e esses temas, para buscar justamente fortalecer a capacidade adaptativa dos territórios e tendo os jovens como um ponto chave nesse processo de adaptação.
LUPA DO BEM: Como você, enquanto diretor executivo de uma organização formada por jovens mobilizados pela justiça climática, avalia os resultados das discussões e mobilizações que aconteceram no G20 Social e a inclusão da juventude?
WANDERSON: Como diretor do Engajamundo, eu avalio que os resultados das mobilizações e discussões que aconteceram no G20 Social e a inclusão da juventude foram um primeiro passo, foi uma experiência.
A gente vem de diversos G20s e, pela primeira vez, houve a criação do G20 Social, a partir do Governo Lula, e foi uma experiência que tem dado certo. A sociedade civil como um todo, e não somente o segmento da juventude, conseguiu participar de forma mais direta.
A gente, por exemplo, conseguiu incidir nos grupos de engajamento do próprio G20, que foi o C20. Fomos a única organização de juventude com um facilitador em um grupo de trabalho do C20.
Então, eu vejo como um avanço muito grande esse espaço ser mais aberto. O que a gente gerou de recomendação, como a AJAAC e o documento do grupo de trabalho 3, e também os famosos policy briefs – que são as recomendações conjuntas dos grupos de trabalho –, mostra que conseguimos agarrar essas oportunidades que se abriram com o G20 Social.
Claro que ainda tem desafios. Por exemplo, a declaração final ficou um pouco vaga. A própria declaração final do G20 não mencionou a juventude. Temos menções a crianças e mulheres, mas não à juventude.
A gente lê isso como um começo e espera que a África do Sul, no próximo ano, dê continuidade a esse trabalho. A gente reforça que a sociedade civil está cada vez mais organizada e conseguiu chegar a pontos comuns de conexão.
Fazemos muita coisa, e é preciso que os governos reconheçam isso. A sociedade civil não é inimiga dos processos de decisão; somos aliados. Produzimos posicionamentos e recomendações baseadas na nossa realidade, muitas vezes onde o governo não chega.
Além disso, tivemos o Y20, o grupo de engajamento da juventude, que conseguiu mobilizar eventos descentralizados em algumas regiões do país, trazendo as juventudes para evidência e coletando suas recomendações. Isso foi muito positivo, assim como a abertura do governo para criar o G20 Social.
Mas ainda falta incentivo maior para essa participação. Não basta só criar o espaço; é preciso garantir apoio financeiro, estratégico e físico, especialmente no Brasil, onde é importante não ficar apenas nas capitais. A cúpula final no Rio de Janeiro gerou muitos eventos e articulações, mas fica o desejo de maior abrangência.
Confira a Carta de Recomendação da AJAAC na íntegra, abaixo: