Conheça a Coalizão Negra por Direitos, que agrega quase 300 organizações na luta pelo povo preto

A articulação surgiu para combater o racismo e defender a população negra da violência e injustiça

23.11.23

A Coalizão Negra por Direitos é hoje a principal articulação nacional do movimento negro no Brasil. Conta com 293 organizações e coletivos negros, das cinco regiões do país. O objetivo é fortalecer o enfrentamento das desigualdades raciais no país. 

A Coalizão surgiu em fevereiro de 2019, no início do governo de Jair Bolsonaro, para lutar contra a ampliação do excludente de ilicitude. A proposta, feita pelo então Ministro da Justiça, Sérgio Moro, aumentava as possibilidades de legítima defesa para policiais, o que poderia aprofundar o genocídio de negros e negras no Brasil. 

A atuação policial no nosso país é profundamente marcada pelo perfilamento racial, então o pacote anticrime proposto por Moro, na verdade, era um pacote antinegro”, explica Mônica Oliveira, ativista da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e membra da Secretaria Operativa  Nacional da Coalizão Negra por Direitos.

Assim, a Uneafro, ao lado de outras organizações de São Paulo, iniciaram uma articulação nacional para juntar movimentos negros de várias partes do país e incindir contra aquelas medidas. As organizações realizaram denúncias coletivas na Organização das Nações Unidas (ONU), na Comissão Interamericana de Direitos Humanos e no Parlamento Europeu. 

“Ao mesmo tempo, nos reunimos com diferentes parlamentares no Congresso Nacional, especialmente do campo da esquerda, mas não só, demandando uma reação de recusa ao pacote do Moro”, conta Mônica.

A luta do movimento negro

Em novembro de 2019, após intensa movimentação para barrar o pacote anticrime, essa aliança realizou um seminário internacional com cerca de 150 lideranças brasileiras e estrangeiras vindas de países como África do Sul, Colômbia, Estados Unidos e Reino Unido. No seminário, foi anunciada a criação formal da Coalizão Negra por Direitos, que é regida por uma carta de princípios e agenda de lutas

Dentre os princípios, estão a defesa de uma reparação histórica à população negra brasileira; o combate ao racismo e genocídio da população negra; a efetivação da justiça social redistributiva e da justiça racial restaurativa; a defesa do legado de luta de mulheres negras no Brasil, entre outros.

Já a agenda de lutas inclui uma atuação política de enfrentamento às políticas neoliberais; pela erradicação da pobreza; contra a precarização do trabalho; pelo direito e preservação da infância negra; pela defesa dos territórios quilombolas e mais uma dezena de outras diretrizes. 

O terceiro encontro nacional da Coalizão aconteceu este ano, na semana da consciência negra, em Maceió (AL), com o tema “Enquanto houver racismo, não haverá democracia: o Movimento Negro avança por Reparação e Bem Viver!” 

Imagem: reprodução.

Coalizão Negra por Direitos

Uma secretaria operativa, composta por 23 organizações, fica responsável pelo andamento da Coalizão. Essa secretaria se reúne semanalmente, às segundas-feiras à noite. Já as plenárias, momento em que qualquer organização membro pode participar, ocorrem toda sexta-feira, às 10 horas da manhã.

Todas as reuniões são feitas no formato on line. Além disso, existem os grupos de trabalho fixos ligados ao campo jurídico, à comunicação e relações internacionais, e os temáticos, como o GT de direito à cidade e racismo ambiental e o GT sobre cotas, entre outros. 

“Temos um funcionamento bem exigente. Duas reuniões por semana é puxado, por outro lado a pauta racial é intensa. O racismo afeta todas as dimensões da vida de uma pessoa negra, então estamos nos organizando cada vez mais para poder atender o máximo possível das demandas”, diz Mônica.

Pelo direito de lutar

Segundo Mônica Oliveira, a Coalizão Negra por Direitos foi uma das primeiras organizações a apresentar um pedido de impeachment contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. “A discussão sobre democracia tomou um grande peso durante o governo Bolsonaro, especialmente para nós, população negra, porque concretamente esse é um país que nunca viveu uma democracia plena”, aponta. 

No processo da eleição de 2022, a Coalizão executou uma estratégia nacional chamada Quilombo nos Parlamentos para ampliar a presença de representantes do movimento negro nas câmaras estaduais e federais. Como resultado, o número de candidaturas negras eleitas aumentou quase 10% em relação ao pleito de 2018. 

“Não atuamos para ter uma bancada negra simplesmente, mas uma bancada de movimento negro, porque existe negro de direita, no centro, em todo canto. Queríamos uma bancada comprometida com o combate ao racismo e as agendas de luta da Coalizão”, ressalta. 

Ainda sobre as eleições de 2022, segundo a ativista, a vitória de Lula trouxe de volta a possibilidade de fazer o enfrentamento político sem medo da violência que foi estabelecida contra os movimentos sociais nos governos Temer e Bolsonaro. “Nós resgatamos o direito de fazer a luta!”

Imagem: reprodução.

Mulher negra no STF 

Para Mônica, houve avanços na cena política que são importantes de considerar: “Nunca tivemos, nos governos anteriores, uma presença negra no primeiro e segundo escalão como há neste governo”. 

Ela está se referindo ao quadro da Ministra da Cultura, Margareth Menezes, a Ministra de Igualdade Racial, Anielle Franco, a Ministra de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva e o Ministro de Direitos Humanos, Silvio Almeida. 

“Mas além deles, há também pessoas negras que são grandes quadros técnicos, em instituições como IPEA, bancos estatais, algumas autarquias e também nas diretorias e secretarias nacionais dos ministérios… Isso é importante reconhecer. Por outro lado, ainda é insuficiente.”

Este ano, a Coalizão tem feito intensa campanha em torno da indicação de uma ministra negra para o STF. “O poder judiciário é o único dos três poderes que não tem qualquer controle social, e com uma presença negra muito mais baixa do que no executivo e no legislativo. Então, para nós, essa é uma ação importantíssima”, afirma Mônica. 

Políticas de combate às desigualdades raciais

A ativista demonstra preocupação com a dificuldade do governo atual em implementar políticas estruturadoras de combate às desigualdades raciais. 

“É lógico que é importante retomar políticas de combate à fome e à pobreza. O Bolsa Família é fundamental, especialmente porque a maioria das famílias atendidas pelo programa é de pessoas negras. Mas política de combate à pobreza não é política de combate ao racismo.” 

Para combater o racismo, a Coalizão tem proposto medidas que contemplam desde o uso dos recursos do PAC, para que o governo não financie ações que aprofundem a desigualdade racial, até a luta pela não privatização do saneamento básico e uma adaptação antirracista na agenda climática.

As propostas também incidem contra o recrudescimento da violência policial, a retomada  dos espaços de participação social e a implementação da política nacional do cuidado que considere a dimensão da raça. 

“Temos feito um esforço enorme para manter as políticas que já existem. Porque em vários momentos há ameaças de retrocesso. Muitas vezes, não dá nem tempo de fazer novas propostas. Passamos um aperto com a possibilidade de retrocessos nas cotas para as universidades, por exemplo”, alerta Mônica.  

Imagem: reprodução.

Pele Alvo

Segundo o relatório Pele Alvo, da Rede de Observatórios da Segurança, 66% das vítimas decorrentes de intervenção do Estado eram pessoas negras em 2022. Em outras palavras, a cada quatro horas uma pessoa negra foi morta pela polícia no ano passado. 

Os dados mostram que a manutenção da política de guerra às drogas é a que mais tem produzido mortes e encarceramento em massa da população negra. Para os especialistas, existe uma estratégia que associa práticas ilegais aos corpos negros, neutralizando a participação desses indivíduos na sociedade. 

Ainda segundo o relatório, a política de segurança pública nacional criminaliza um perfil específico, como herança colonial. É um perfil que na atualidade está associado à pobreza, o que faz com que a política de segurança funcione como controle social. 

Quer apoiar essa causa?

A Coalizão Negra por Direitos é uma articulação com organizações de todo país e está aberta para novos participantes e doações. Para saber mais, conheça o site ou siga as redes sociais no Instagram, Facebook e Linkedin.

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Maira Carvalho
Jornalista e Antropóloga, Maíra é responsável pela reportagem e por escrever as matérias do Lupa do Bem.
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