Iniciativa Ponte para Pretxs alcança mais de 40 mil pessoas e gera oportunidades de desenvolvimento
Criado em 2016 como um grupo no Facebook direcionado para pessoas pretas, atualmente é um projeto do Instituto Gueto e se organizou para receber investimentos e compartilhar possibilidade de avanços educacionais e profissionais
Entendendo a boa ideia:
O projeto Ponte para Pretxs nasceu em junho de 2016 como um grupo no Facebook direcionado para pessoas pretas, criado por Vítor Coff Del Rey. Segundo ele, a grafia do nome tem um motivo: “O nome é Ponte para Pretos. Naquele tempo estava acontecendo um debate sobre gênero e sobre como incluir gays e travestis pois até então usava – se o ‘X’ como se fosse para marcar a opção que você quiser. Hoje eles usam o ‘E’, então se a gente quisesse ser assertivo seria PretEes, mas eu chamo de a Ponte para Pretxs”.
Hoje, o Ponte Para Pretxs é um projeto do Instituto Gueto, fundado depois da Ponte para Pretxs e está sob seu CNPJ. A iniciativa não nasceu como um projeto social e sim como um grupo no Facebook, mas deu tão certo que depois se organizou institucionalmente para poder receber investimentos.
Como começou?
O projeto foi criado porque Vitor percebeu, na época, que ele tinha acesso a vários cursos bons e gratuitos, além de muitas oportunidades de trabalho porque estudava em uma escola de classe média alta, a Fundação Getúlio Vargas (FGV), onde as melhores informações circulavam de várias formas. E, depois de criar o Projeto Ponte para Pretxs, ele passou a ter o apoio de Magda Gomes, que começou como professora do projeto, e depois passou para gestão, área em que trabalha até hoje.
“Enquanto eu estudava nessa escola eu morava em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Lá, entre meus amigos, ninguém tinha acesso às mesmas informações privilegiadas que eu tinha por estar onde eu estava. Então comecei levando essas informações até eles e depois percebi que isso não bastava, pois eles precisavam também de qualificação. O segundo passo foi a qualificação profissional, e o terceiro foi conectá-los com grandes empresas e grandes oportunidades de trabalho”, explica Victor Coff Del Rey. “A escola foi um lugar que nós criamos para dar ferramentas. Depois nós demos o famoso acesso ao rio porque, existe aquela história de ‘não dar o peixe, e sim ensinar a pescar’, mas como se compra a vara para pescar? Como ter acesso ao rio onde o peixe está? Ninguém fala sobre isso. A Escola da Ponte faz esse processo.”
Quais mudanças surgiram?
O Instituto Gueto foi fundado por Victor Coff Del Rey e Magda Gomes, em 2019, para suprir essa necessidade, e a Ponte para Pretxs passou a ser um projeto do instituto. Hoje o Instituto Gueto tem três projetos: Ponte para Pretxs, a Escola da Ponte e o aplicativo Kilombu, esse último intitulado como “O aplicativo dos Empreendedores Negros do Brasil”.
Atualmente, o grupo Ponte para Pretxs conta com cerca de 40 mil membros.
As atividades do Ponte para Pretxs são:
- Divulgação de oportunidades de emprego e trabalho (emprego é diferente de trabalho)
- Bolsas para Pós-Graduação
- Mestrados
- Cursos de especialização e profissionalizantes
- Cursos de inglês, francês e espanhol
- Preparação de carreiras
- Cursos de Programação e Power BI
Além do Coaching de Carreira que é realizado à base de parceiros, que fazem um mapeamento da carreira dos alunos a partir das perguntas: ‘onde você está?’ e ‘onde você quer chegar?’. Com isso, traçam as possíveis dificuldades que podem surgir e como o aluno pode se preparar para vencê-las, mantendo o foco em seu propósito inicial.
“Nós temos muitos casos de alunos que queriam ser médicos, mas acabavam se formando técnicos em enfermagem. Por quê? Porque não conseguiram entrar na faculdade de medicina. Então nós tentamos fazer o máximo para que o aluno atinja seu real objetivo”, detalha Vítor. “Trabalhamos com a ideia de que a pessoa vai ser o que ela quer ser e não o que dá pra ser. Geralmente as pessoas pretas são o que dá para ser, por falta de oportunidade.”
Na Escola da Ponte são oferecidos cursos gratuitos por trilhas. Na trilha de idioma, há Inglês, Francês e Espanhol; na trilha de desenvolvimento pessoal, Desenvolvimento de Competências Socioemocionais e Coach de Carreiras; na trilha de design, Design Thinking, Design Sprint e UX Design; na trilha de tecnologia, Power BI, programação em linguagens como Blockchain, HTML, VBA, Python, entre outras; além disso, na trilha voltada para empreendedorismo e economia criativa, existem aulas que vão desde a Educação Financeira à Branding, Storytelling e Cenografia.
Faixa etária dos beneficiários
O projeto atende todas as idades a partir de 15 anos, mas a maioria está entre 15 e 29 anos.
Equipe
A equipe é formada por dez pessoas negras, sendo, oito mulheres e dois homens. Cada um dos integrantes dedica um pouco de seu tempo para manter o instituto vivo. O sonho é conseguir empresas que financiem os projetos para que essas pessoas possam dedicar tempo integral ao projeto.
Vitor dá mais detalhes: “Quando os cursos eram presenciais, a equipe fazia todo o trabalho durante a semana que era ligar para alunos e, no final de semana uma parte ia para a FGV, outra para o IBMEC, e outra parte para o Armazém Cultural das Artes. Fazíamos isso aos sábados, pois era nossa folga no trabalho. Então podíamos ficar o dia inteiro coordenando os cursos em seus pólos. E o trabalho de coordenação de alunos era feito de casa por meio de contato por telefone e internet. Quando havia necessidade de reunião presencial, íamos até a FGV, onde eu estudava e trabalhava, em um espaço cedido pela mesma”.
Remuneração de equipe e professores
Victor continua: “Os professores são voluntários, alguns receberam ajuda de custo e outros só pedem o valor do transporte. Os cursos da Escola da Ponte são gratuitos, nenhum aluno paga para estudar e o projeto nunca recebeu verba para fazer isso. Quando começamos, tínhamos 350 alunos divididos entre os cursos e uma fila de espera de mais cinco mil pessoas. Presencialmente, nós funcionamos em cinco lugares diferentes dentro do Rio de Janeiro: IBMEC, FGV, INFNET, Armazém Cultural das Artes e na Biblioteca Parque do estado. Essas instituições eram nossas parceiras e contribuem com a cessão de espaço para os cursos e alguns, além de espaços também forneciam computadores, internet e material didático ao projeto para que as aulas acontecessem. A equipe de professores gastava dinheiro do próprio bolso para dar as aulas, pois não recebia nenhuma ajuda financeira. Também não podíamos cobrar dos alunos, já que estávamos oferecendo cursos justamente para pessoas desempregadas e elas precisavam se aperfeiçoar para voltar ao ecossistema do trabalho e, sem a nossa ajuda, essa volta seria mais difícil. ”
Na época citada por Víctor, o projeto teve ajuda de duas pessoas: Regina Chiarardia, socióloga e madrinha de Victor, que pagava o transporte do professor de Excel, e também de Theo Van Der Loo, que na época era o CEO da Bayer e dava uma ajuda mensal para o projeto – com suas doações conseguiram cobrir os custos com o CNPJ do Instituto. Fora isso, não receberam apoio financeiro de ninguém. Até hoje a Escola da Ponte não recebe nenhum investimento e todo o trabalho é feito de forma voluntária.
Até agora já foram realizados 13 cursos, com 15 turmas, beneficiando 3 mil pessoas diretamente. O curso de inglês tem módulos Básico, Intermediário e Avançado, e com isso é necessário formar várias turmas.
Desafio & Vitórias:
Desafios
O maior desafio: “É continuar fazendo esse trabalho sem dinheiro, ser pai, marido, tendo que pagar contas e fazer tudo isso bem feito. Nós fazemos projetos com o Facebook e o Google e, como é que se faz projetos para empresas desse tamanho de uma forma eficiente para poder continuar fazendo no futuro? Nosso maior desafio é o desafio de gestão e de manter a alta performance. E para a gestão performar bem, temos que remunerar, porque as pessoas precisam investir tempo, tecnologia , estrutura e equipamento.”, afirma Victor
Vitórias
Para ele, a maior vitória é a quantidade de pessoas já formadas, o número de pessoas que estão trabalhando e ganhando muito bem, porque passaram pelas formações da Escola e o fato de serem respeitados e terem credibilidade no mercado.
“Vitória também é nós conseguirmos nos sentar à uma mesa de reunião com a Apple, com o Facebook, com empresas globais, milionárias, e eles olharem para o que nós estamos fazendo, sentirem o desejo de se juntar a nós e contratar nossos serviços. Isso é uma vitória. E, claro, manter o nível de gestão tem a ver com continuar com essas vitórias.”
Atendimento dos beneficiários durante a pandemia
O projeto conseguiu beneficiar com 700 cestas básicas pessoas que foram afetadas pela pandemia. “Fizemos um trabalho muito intenso de acesso à informação sobre como se cadastrar para receber o Auxílio Emergencial, receber as parcelas e também fizemos um trabalho de informação sobre outras iniciativas que estavam doando dinheiro, material higiênico para as pessoas da comunidade que foram impactadas pela pandemia.”
Hoje, a Ponte para Pretxs é considerada como a maior iniciativa da América Latina em ensino de inglês gratuito. São 1400 alunos estudando inglês de forma gratuita com 80 professores e em breve terá início um curso de Direito e Tecnologia com 20 alunos; e um curso de Ciência do Marketing em parceria com o Facebook.
Yiago Rodrigues, Videomaker de 25 anos nascido no Rio de Janeiro, atualmente morando em São Paulo, deu seu depoimento em contato com a Coluna da Neuza:
“Conheci o Ponte para Pretxs através do grupo no Facebook onde eu me senti muito acolhido, como se fosse uma família. Para mim, o projeto representa oportunidade: oportunidade de aprender, oportunidade de ir além. Através da Ponte para Pretxs eu aprendi um segundo idioma, pude ver outras oportunidades e descobri que o povo preto é um povo unido”.
Já Sheila Aragão, professora universitária e pesquisadora de 35 anos, moradora de São Paulo, afirmou em diálogo com a Lupa do Bem:
“Faço parte de um grupo de WhatsApp de empoderamento de mulheres negras, e por lá compartilhamos saberes, cursos, vagas e nos ajudamos em tudo que for necessário. E foi nesse espaço que conheci a Ponte para Pretxs, o que foi um divisor de águas. Primeiro porque minhas aulas estavam sendo diminuídas na faculdade, e em dezembro comecei a procurar emprego com mais afinco, já que teria o doutorado para pagar. No fim de janeiro, passando por uma situação complicada em minha vida pessoal, precisava com urgência de um emprego que, se possível, além do salário tivesse a ver também com meu propósito de vida. A Ponte para Pretxs me ajudou a dar a volta por cima e a reconhecer o meu valor como profissional e ser humano”.
Como apoiar para multiplicar?
Manutenção do projeto
Para manter o projeto, o Instituto Gueto vive da prestação de serviços para empresas que querem fazer contratação. As empresas remuneram o Instituto pelos serviços e o dinheiro é usado para financiar as turmas da Escola da Ponte. Pode- se dizer que o Instituto é autossustentável, mas ainda não dá para remunerar os professores.
Os serviços prestados são: Consultoria, Letramento Racial, Recrutamento e Seleção, Gestão da Permanência e Gestão de Tom de voz.
O Instituto Gueto também tem uma parceria muito interessante com a empresa Gooders, que oferece pontos que o professor voluntário pode utilizar fazendo compras com descontos em lojas parceiras. É uma forma, não de remunerar o professor, mas de retribuir a doação do seu tempo.
Simpatizou com o projeto e quer ajudar?
Doe através da Campanha:
https://abacashi.com/p/escola-da-ponte-para-pretxs
Ou através da conta:
Dados da Conta
Banco: 655 – Votorantim
Agência: 1111
Conta: 62264674 – 3
CNPJ: 37.316.483/0001-48
Nome: Instituto GUETTO, Gestão Urbana de Empreendedorismo Trabalho e Tecnologia Organizada
Mais informações: https://www.guetto.org/sobre